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Publicado em 22/07/2020

A nova especificação ANP da gasolina no Brasil
As vantagens da utilização do etanol para melhorar a octanagem da gasolina aproximando-a do etanol E100.

A nova especificação da gasolina comercializada no Brasil, a partir de agosto de 2020, alinhará melhor a qualidade do combustível com os requisitos dos programas de eficiência energética (Rota 2030) e do de controle de emissões (PROCONVE).

Adaptado – Especificação da Gasolina Automotiva; V Simpósio de Eficiência energética da AEA 12/06/2019. Os itens em vermelho são as novas especificações da Resolução 807/2020 – *RON 93 a partir de 01/01/2022.

Apesar de não representar uma melhora das propriedades já especificadas, o novo regulamento é um importante avanço para garantir a qualidade do produto distribuído e aproximar a especificação brasileira às internacionais.

A falta de mais pontos de controle da curva de destilação permitiu a importação e mistura de parcela excessiva de frações de hidrocarbonetos mais leves e mais baratas na gasolina, o que pode ser contrabalanceado pela adição de frações mais pesadas do que o normal, distorcendo o equilíbrio da composição média e causando vários prejuízos aos clientes, no consumo e na dirigibilidade, e ao meio ambiente.

A introdução da densidade é importante para evitar um crime contra a economia popular. Quando se abastece um veículo, o produto desejado é a energia que está contida na massa do combustível. Ao pagar o combustível pelo volume, se houver uma redução da densidade, isso representa menos massa e, portanto, menos energia e maior consumo por litro. O balizamento da destilação e a determinação da faixa de densidade previnem estes desvios e melhoram a qualidade média do produto distribuído, antes passível de grandes desvios.

Outra mudança importante foi a introdução de uma forma mais moderna de medição da característica antidetonante da gasolina. Correndo o risco de entrar em demasia no campo técnico, é importante entender um pouco desta propriedade, conhecida popularmente como “octanagem”. O número de octanas, ou octanagem, é uma medida de quão bem um combustível resiste à detonação, uma combustão anormal, na qual a mistura combustível/ar explode espontaneamente no final do processo dentro do cilindro do motor. Isso provoca superaquecimento e pode danificar fisicamente o motor.

O procedimento de medição da octanagem da especificação anterior é o método MON (Motor Octane Number) – quanto maior o MON, maior a resistência à detonação. Este método é adequado para os motores antigos, normalmente com cilindros grandes, que usavam carburadores e sistemas mecânicos de ignição, o famoso distribuidor com platinado.

Os motores modernos, fabricados nos últimos vinte anos, são menores, trabalham mais em baixas rotações, o combustível é injetado no coletor, na válvula ou diretamente no cilindro e a ignição é eletrônica e conta com um sensor de detonação, o que permite o seu controle independente da carga e rotação do motor. Para estes motores, a correlação do comportamento da combustão no método MON e a que ocorre no motor real não é boa e, por isso, foi criado um novo procedimento de teste chamado RON (Research Octane Number). O número RON é maior do que o MON. A diferença entre eles, RON-MON, é chamada de sensibilidade e mostra, entre outras coisas, o quanto a injeção de combustível mais próxima do interior do cilindro ajuda no resfriamento da mistura, aumentado sua resistência à detonação. É bom lembrar que o carburador vaporizava o combustível totalmente antes da chegada ao cilindro. Quanto mais calor for retirado do ar para a evaporação do combustível injetado, maior é a resistência à detonação, ou seja, a diferença entre o RON e o MON.

Para incrementar o RON de uma gasolina, adiciona-se hidrocarbonetos com alta resistência à detonação, normalmente tolueno, MBTE (Éter Metil-tec-butílico) ou álcoois. Os dois primeiros são caros, têm alta produção de gases de efeito estufa e emitem compostos danosos à saúde. No Brasil, o uso de etanol na proporção de 27% na gasolina C faz este papel com vantagens econômicas, sociais, ambientais e técnicas, pois, enquanto a sensibilidade (RON-MON) da gasolina sem etanol é em torno de 8, com o uso de etanol esse valor chega a 12 (50% maior), devido ao alto calor latente de evaporação do etanol, com vantagens para o desempenho do motor. Uma gasolina com RON 100, utilizando etanol e com sensibilidade 12, possibilita obter até 10% de aumento no rendimento térmico do motor, se comparado com gasolina sem etanol com RON 91.

Nos motores antigos, ao atingir o nível de octanagem mínimo para um motor, não adiantava usar combustíveis melhores, pois não havia reação a eles pelo fato de não existir a eletrônica embarcada atual. Portanto, a taxa de compressão era escolhida para não apresentar detonação na pior condição de operação ou de qualidade de combustível, o que reduzia muito a eficiência dos motores no campo. Atualmente, já não é mais assim – a taxa é escolhida próxima do limite de resistência mecânica do motor e o sensoriamento da detonação atua para protegê-lo e buscar sempre o ponto de melhor consumo de combustível. Como os motores modernos são calibrados para obterem o melhor desempenho e eficiência no teste de consumo e emissões em laboratório, no campo onde as temperaturas do ar e do asfalto são bem maiores, a detonação tende a ocorrer mais cedo e piorar o consumo. Nesse contexto, o uso de combustíveis de alta octanagem auxiliam a evitar a queda do desempenho.

Aumentar a octanagem da gasolina acima do valor de RON 93, que será praticado só a partir de 2022 pela nova especificação brasileira, trará vantagens e colocará a gasolina nacional em nível superior das europeias – RON 95-Regular e RON 98-Premium –, com ganhos ambientais, já que o uso de etanol reduz a emissão de CO2 e permite o uso de novas tecnologias disponíveis, que podem ser incluídas em motores já produzidos no Brasil, com ganhos expressivos de eficiência energética. Um valor de RON 100 seria o ideal.

Isso pode ser feito com um pequeno aumento no teor de etanol e seria melhor ainda se, ao executar os testes de emissões e consumo necessários para a aprovação do aumento do RON para 100, fosse revista a especificação do etanol anidro misturado à gasolina no Brasil, excessivamente restritiva quanto ao teor máximo de água permitido considerando o clima brasileiro. Essa revisão traria uma redução de custo e o aumento da capacidade de produção do produto anidro sem novos investimentos. Não se trata de unificar a especificação do etanol para ser utilizado puro E100 ou como mistura na gasolina E27. O etanol hidratado E100 não será alterado.

O motor de combustão interna ainda terá uma longa vida e quanto melhor for o combustível, maior será o interesse em continuar a desenvolvê-lo. Aproximar a octanagem da gasolina à do etanol E100, que já é maior do que RON 100, permitirá aos motores flex melhorar sua performance como um todo, sem que um combustível prejudique o melhor ajuste do motor para o outro. Esse benefício é fundamental para o Brasil, onde mais de 90% dos veículos leves produzidos são capazes de funcionar com os dois combustíveis e combiná-los de forma mais eficiente é interessante, já que o país conta com um setor agro-energético vigoroso e reservas de petróleo de monta.

Ricardo Abreu
Bright Consulting

 

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