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A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 10/09/2020

Acerto da casa

Possibilidades de alterações nos prazos do marco regulatório automotivo

A crise de caixa da indústria forçou a revisão das prioridades de gastos e o pedido de adiamento de prazos do novo marco regulatório no Brasil e no mundo. Quais são as oportunidades desse novo cenário.

A indústria automotiva é, em todo o mundo, uma das atividades produtivas mais reguladas. Essa regulação deve-se, como é amplamente sabido, aos impactos do uso dos veículos automotores no meio ambiente, na segurança das pessoas, no clima, no consumo de energia e, sob esse último aspecto, às questões geopolíticas que definem os combustíveis veiculares, no âmbito da matriz energética de cada país.

A necessidade de regulação é, assim, um perfeito exemplo de lacuna de mercado, um papel inequívoco do Estado, pois deve resultar em última análise, na integridade e na saúde da população, assim como a contribuição de cada nação, ao equilíbrio ambiental e climático do planeta. Essa posição reflete a direção dada pela Constituição Federal que, em seu Artigo 174, dispõe:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

O cumprimento dos requerimentos legais, que compõem o arcabouço regulatório, costumam ter um custo elevado, com grande peso específico nas atividades de engenharia, pesquisa & desenvolvimento e inovação, além do desenvolvimento de fornecedores. Esse adicional de custo, em condições outrora normais de mercado, era incorporado ao preço final do produto automotivo, ainda que com oscilações temporais nas vendas, especialmente no segmento dos veículos pesados.

A pandemia da Covid-19 trouxe ao mundo, entre outras consequências, uma terrível diminuição das vendas de veículos e a sua inevitável e correspondente queda – senão interrupção – na produção, com uma consequência evidente e indesejável: o reflexo fortemente negativo nos caixas das indústrias, que vêm direcionando todo esforço para manter os empregos especializados e o pagamento dos fornecedores. Na Europa (exceto UK) houve queda de 76,3% nas vendas de veículos, em abril último, em relação ao mesmo período do ano passado. No Brasil, a diminuição das vendas no mesmo tempo, foi de 76,8%.

Nesse contexto, emerge, muito naturalmente, a necessidade de as empresas produtoras do setor automotivo reverem quaisquer dispêndios que não sejam àqueles estritamente necessários à sua sobrevivência. Não surpreende que as fabricantes tentem protelar o cumprimento de metas relacionadas à redução dos impactos ambientais.

Tal pleito é potencializado e, de certo modo, sustentado pela baixíssima visibilidade sistêmica do que ainda está por vir, como desdobramentos dessa pandemia nos diversos setores da atual sociedade (des)organizada.

Consta que o segmento das montadoras instaladas no país teria pleiteado ao Governo Federal  um adiamento de três anos, em média, dos prazos estabelecidos pelos diversos Atos Legais que compõem o marco regulatório da indústria automotiva (Resoluções, Lei e Decreto) no que tange à segurança veicular (CONTRAN), ao controle das emissões veiculares (CONAMA) e às metas de eficiência energética (Rota 2030).

De outro lado, há quem pondere, com razão, ainda que focado em uma visão unilateral, as possíveis implicações negativas da postergação das datas de cumprimento das exigências relacionadas aos limites de emissões veiculares, dos requerimentos de segurança veicular e das metas de eficiência energética, tais como estabelecidas nas Resoluções CONAMA nº 490 e nº 492, ambas de 2018, nas diversas Resoluções do CONTRAN e no Regime Rota 2030 (que contempla também a segurança veicular), respectivamente.

Além do expressivo comprometimento a todo um conjunto de medidas, que implicaram e vão implicar em planejamento, tomada de decisão e execução físico-financeira, existem, parametrizadas em estudos especializados, informações de estimativas do número de mortes e da morbidade causadas pela ausência  dos requisitos de segurança veicular e do controle das emissões veiculares de gases poluentes.

Da mesma forma, é claro, não faltarão estimativas que apontarão as toneladas adicionais de CO2 que seriam despejadas na atmosfera – com seus efeitos reais e políticos, bem como os adicionais milhares de litros de combustíveis que seriam queimados, com o adiamento das metas de eficiência energética.

Há uma outra visão, no entanto, que mostra que, pelo menos parcialmente, essas mortes e morbidade poderiam ser mitigadas e até evitadas, se alternativamente à estrita observância dos cronogramas de implementação das novas fases do PROCONVE (CONAMA), do Road Map  de segurança veicular programado pelo CONTRAN e das metas de eficiência energética preconizadas pelo Rota 2030, fosse realizada uma rigorosa e eficaz fiscalização na frota de veículos circulante, de modo a garantir a não deterioração dos limites de emissões, dos recursos de segurança já disponíveis nos veículos e de sua eficiência energética.

Evidentemente que, aonde não for estritamente aplicável um atenuante como esse, deveria ser exigido o que está previsto na legislação vigente o que demandaria uma disposição para realizar um amplo e prévio estudo e mapeamento dessas condições de contorno e de suas possibilidades.

Considera-se diante dos fatos e circunstâncias acima comentadas que uma adequação do marco regulatório automotivo, com vistas ao adiamento dos prazos estabelecidos em seus diversos Atos legais e normativos é necessária, desde que seja levada à efeito pelos mesmos Conselhos de Governo que os estabeleceram, vale dizer, CONAMA e CONTRAN.

Tal adequação, no entanto, deveria respeitar os princípios régios da proporcionalidade e da razoabilidade, não somente quanto ao desejado adiamento dos prazos de cumprimento das exigências e metas legais, mas principalmente pela assunção, por parte da indústria, do que pode ser realizado em conformidade com o que está estabelecido na legislação vigente, seja por conta dos dispêndios possivelmente já realizados, seja pela eventual impraticabilidade pontual de se adotar um outro procedimento, como o da fiscalização acima sugerida, com vistas a evitar os efeitos nocivos à sociedade de um adiamento decidido sem os devidos cuidados.

A flexibilização do cronograma associado ao atual marco regulatório automotivo possibilitaria, se feita de modo equilibrado com algum nível de cumprimento do que foi estabelecido e com os procedimentos aqui sugeridos (ações de monitoramento da frota circulante) poderia proporcionar um alento financeiro às indústrias automotivas, sem impactos nocivos à sociedade, de forma justa e coerente com as condições adversas impostas pela pandemia do COVID-19.

Acrescente-se o fato de que, caso o Brasil adote uma prorrogação razoável para o seu marco regulatório automotivo, haveria um certo alinhamento  com alguns países, como a China, Japão e Coreia do Sul, que teriam adiado as datas de entrada em vigor de suas normas de regulamentação em 6, 3 e 24 meses, respectivamente. Consta que, diante de pleito da ACEA – Entidade de Classe que representa os interesses da indústria automotiva, na União Europeia – o Comissariado para o Mercado Interno daquele Bloco de países, teria sinalizado para uma possível flexibilização legal, na comercialização do estoque de veículos produzidos segundo as exigências de um marco legal anterior, na vigência de Diretivas com exigências mais estritas que estão prestes a entrar em vigor, o que na prática corresponderia ao adiamento pretendido pela indústria automotiva europeia. Estas últimas informações foram obtidas junto ao mercado e ainda não têm nenhum cunho oficial.

O que ocorreu nos Estados Unidos da América do Norte é resumido no quadro abaixo:

Nos Estados Unidos da América, o governo Trump determinou uma mudança radical na legislação regulatória automotiva, usando a pandemia do COVID-19 para justificar a ação de afrouxar os limites de emissões e de eficiência energética naquele país do Norte.

A EPA – Environmental Protection Agency e a NHTSA National Highway Traffic Safety Administration foram as responsáveis pelo novo Ato regulatório norte-americano publicado no final de abril último,  que estabeleceu novos padrões menos rigorosos, para a  economia média corporativa de combustível (CAFE) e de emissão de gases de efeito estufa, para carros de passeio e caminhões leves, cobrindo os modelos a serem produzidos entre 2021 a 2026.

O movimento dos USA, foi uma ação retrógrada a não ser seguida por nenhum país, uma vez que serão adicionados mais de um bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera, durante a vida útil dos veículos, regulados pelo novo Ato. O padrão americano, nessas circunstâncias, seria mais baixo que os da União Europeia, China, Índia, Japão e Coréia do Sul.

Além dos objetivos imediatos almejados, a postergação dos prazos regulatórios no Brasil, ainda que parcial, traria a oportunidade de aperfeiçoar algumas normas já publicadas, especialmente as relacionadas ao controle das emissões veiculares. Especialistas apontam a necessidade de rever algumas questões associadas a conceitos como o RDE (Real Drive Emissions), efeito ambiental com uso de E100 (100% de etanol) e proposta de adoção da medição do ciclo de vida completo pelo PROCONVE (uma forma de contabilizar as vantagens do uso de biocombustíveis).

Finalmente, invoca-se aqui, a favor de uma decisão governamental na direção da adequação dos prazos do marco regulatório automotivo, diante das deletérias condições mercadológicas impostas pala pandemia atual, a recente Lei de Liberdade Econômica – Lei nº 13.874, de 2019 que, em seu Artigo 5º dispõe:

“Art. 5º  As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.”

Ainda que tal dispositivo tenha sido regulamentado com efeitos para 2021 (Decreto nº 10.441, de 30 de junho de 2020), no mais legítimo spiritus legis, indubitavelmente o teor do Artigo 5º acima transcrito vem ao encontro de toda a situação em que a sociedade atualmente vive: a premente necessidade de se adequar, com o devido equilíbrio, à nova realidade imposta pela pandemia do Covid-19.

Paulo Sérgio Coelho Bedran

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