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Publicado em 04/04/2023

As contradições do carro elétrico a bateria

Que o futuro é elétrico, já não há mais dúvida. O que falta decidir é como alimentar os motores elétricos – e as baterias atuais podem não dar conta do recado.

Por Gustavo Ruffo

Muita gente hoje se pergunta se deve ou não comprar um carro elétrico. Afinal de contas, é o futuro, certo? Devagar com o andor: o que é certo é que os motores precisam ser elétricos. Como alimentá-los é uma questão completamente diferente e a experiência com aqueles movidos a bateria não tem sido das mais encorajadoras. Na verdade, os elétricos a bateria têm tantas contradições por resolver que o melhor é ter paciência.

Foi a Tesla que mostrou que era tecnicamente possível ter um elétrico com baterias de íons de lítio. Primeiro com o Roadster, mas ela rapidamente percebeu que o segredo não estava no carro: estava em como carregá-lo. Foi por isso que o Model S nasceu com os Superchargers, uma rede de carregamento rápido que permitia a esses veículos fazer longas viagens. Sem eles, é bem possível que o Model S fosse apenas um elétrico mais caro que o Nissan LEAF. Talvez a Tesla nem existisse mais, a bem da verdade.

Essa sacada expõe a primeira contradição que os elétricos a bateria precisam resolver. Teoricamente, eles podem viajar longas distâncias com os carregadores rápidos, mas as baterias de íons de lítio atuais se degradam mais rapidamente com recargas rápidas. Fabricantes como a Tesla até recomendam que você nunca carregue o elétrico a 100% se eles tiverem baterias ternárias (NMC ou NCA) porque isso também reduz a vida útil do pacote. Em outras palavras, a solução que torna o carro elétrico viável e competitivo também o mata mais depressa. E estamos falando de uma morte cara.

Os primeiros Model S saíram em 2012. A garantia dos pacotes de baterias era de oito anos e muitos deles foram substituídos neste intervalo. O Tesla mais rodado do mundo, que pertence a Hansjörg von Gemmingen, usou três pacotes de baterias em 1 milhão de milhas (1.6 milhão de quilômetros) e “11 ou 12” motores, como ele um dia me disse. Todos trocados em garantia. Agora que ela acabou, Von Gemmingen tratou de comprar um Lucid Air. Poderíamos até falar da durabilidade dos motores elétricos, mas, neste texto, ficarei apenas na questão das baterias.

Se o pacote abrisse o bico fora da garantia ou por um dano qualquer, o proprietário teria de arcar com um conserto que hoje gira em torno de US$ 20 mil (R$104.910, pelo câmbio do momento em que escrevo este texto). Isso pode eventualmente ser mais do que um elétrico usado vale. A demanda por baterias de íons de lítio só deve aumentar daqui para a frente e a tendência é que esses pacotes fiquem ainda mais caros do que são hoje, mesmo que a produção barateie.

Se proibirem os motores a combustão, todos os carros serão inevitavelmente elétricos. Com a maioria dos fabricantes apostando nos movidos a bateria, qualquer redução de custo tende a ser neutralizada pelo aumento na procura. Para piorar, as fabricantes vão priorizar veículos novos, não os usados que possam precisar dos mesmos componentes. Se isso parece um problema distante, procure saber sobre as unidades mais antigas de LEAF e os Model S que ainda andam por aí.

Em Portugal, onde eu vivo hoje, houve um escândalo quando um motorista de Uber precisou trocar o pacote de 40 kWh de seu LEAF em 2020. Ele foi a uma concessionária e descobriu que o componente custava €16.831,62 (R$ 95.009,11). Com mão-de-obra e impostos, o preço pulava para €22.853,33 (R$ 128.999,73). Para vender o componente por €7.000 (R$ 39.513), como havia prometido fazer, a Nissan tinha de tirar a diferença do bolso. Ao escrever sobre o caso, descobri que a Nissan vendia esse pacote de baterias por US$ 35.000 (R$ 183.592) nas Ilhas Virgens.

Se você acha que a Tesla é diferente, deve ter ouvido falar de Tuomas Katainen. Esse finlandês comprou um Model S usado perto do fim de 2021 e andou feliz da vida por 1.500 km. Foi nessa altura que surgiu um código de erro que obrigou Katainen a levar o sedã elétrico a um Centro de Serviço Tesla. Em dezembro daquele ano, ele descobriu que teria de pagar €20.000 (R$ 112.894) para trocar o pacote de baterias. Não compensava. A solução que o finlandês encontrou foi explodir o carro em uma pedreira, filmar o processo e colocar o vídeo no YouTube para tentar recuperar o investimento perdido.

Isso nos leva à segunda contradição dos elétricos a bateria: sustentabilidade. Veículos com motores a combustão duram décadas se forem bem cuidados. Pelo andar da carruagem, um elétrico não aguentará mais do que dez anos. Renovação de frota será naturalmente compulsória, mas que sentido faz mandar um elétrico para o desmanche se ele ainda consegue rodar, sem emissões, por mais tempo? Ele só precisa de um pacote novo de baterias. O problema é que o investimento é tanto que faz mais sentido comprar um carro novo.

Seguradoras no mundo todo já perceberam o tamanho da encrenca e começaram a dizer que esses pacotes precisam ser fáceis de consertar. Tem elétrico indo para o ferro-velho porque o pacote de baterias foi raspado na parte de baixo. Em vez de resolver a parada, a Tesla criou uma seguradora e fez um pacote de baterias ainda pior, com as células 4680. Qualquer dano, por menor que seja, pode transformá-lo em lixo. Tudo bem, é reciclável, mas que diferença isso faz para o pobre do dono? É perda total na mesma. Como seguradoras sabem fazer contas, proteger um elétrico será caríssimo e financeiramente inviável em pouco tempo.

No frigir dos ovos, o mercado ganhou um carro que promete descarbonizar os transportes, mas que tende a durar muito menos que os com motores a combustão. Será preciso fabricar muitos mais, com muito mais demanda de matérias primas e componentes em um momento em que eles já andam em falta. Para piorar, já consumimos muito mais recursos do que o planeta consegue produzir em um ano, como o Dia de Sobrecarga da Terra mostra. Ele chega mais cedo a cada ano, mostrando o exato momento em que os recursos disponíveis para um determinado ano terminam. Em 1971, quando foi criado, ele aconteceu em 25 de dezembro. Em 2022, ele foi anunciado em 28 de julho.

Mesmo que os pacotes de baterias durassem pela vida toda do elétrico – algo que as tecnologias e composições químicas atuais não permitem – ainda teríamos outro problema grave por resolver: massa. Carros elétricos a bateria são muito mais pesados que os tradicionais. Se a desculpa para fabricá-los é que são eficientes, temos mais um paradoxo pela frente. Quanto mais leve um veículo é, mais ele consegue fazer com a energia que tem à disposição. A questão é que as baterias atuais têm uma densidade energética baixa. Com isso, o jeito mais fácil de rodar mais é adicionando mais baterias ao pacote, o que torna o carro elétrico ainda mais pesado.

Isso não tem implicações apenas na eficiência energética – que se diz ser o grande trunfo de veículos elétricos. O Insurance Institute for Highway Safety (IIHS) recentemente avisou que carros de mais de duas toneladas acelerando de 0 a 100 km/h em menos de 3 segundos são um perigo para outros ocupantes da via. Resumindo, muito peso não é nada bom para a segurança.

Markus Duesmann disse em fevereiro de 2021 que a solução é ter pacotes de baterias menores e mais carregadores rápidos espalhados por aí. Isso permitiria ter carros elétricos mais leves. Ainda que o CEO da Audi seja um cara muito bem informado, essa sugestão mostra como a indústria está entre a cruz e a espada. Primeiro, porque pouca gente vai comprar um carro com autonomia para 300 km ou menos, ainda mais se ele for tão caro quanto os elétricos atuais. Segundo, porque essas baterias vão para o espaço rapidinho se o motorista usar carregamento rápido com muita frequência. Terceiro, quem vai investir nesses carregadores rápidos, especialmente se soluções melhores surgirem? E aí, como se reduz o peso de um carro elétrico nessa sinuca de bico?

Existem soluções alternativas, como pilhas a combustível movidas a hidrogênio. Há também baterias substituíveis. A CATL, maior fabricante de baterias do mundo, lançou um modelo de trocas chamado Choco-SEB, que usa módulos em vez dos pacotes inteiros. A troca de um módulo descarregado por um cheio de energia leva apenas alguns minutos e é possível colocar mais de um no veículo, dependendo de o quanto um motorista precisará rodar. Quando a necessidade for a do dia-a-dia, um módulo só, carregado lentamente em casa, dará conta do recado com sobra.

Também se fala bastante em combustíveis renováveis, sintéticos ou feitos a partir de plantas e biomassa, como o etanol. Se a questão for neutralidade de carbono, eles resolvem, já que não emitem carbono que já não tenha sido retirado da atmosfera. Combustíveis fósseis aumentam o nível de carbono no ar, que é o que agrava o efeito estufa. O problema é que motores a combustão têm baixa eficiência e continuam a emitir poluentes mesmo que a questão do carbono se resolva. Ou os combustíveis renováveis viram um depósito mais prático de hidrogênio ou servem como extensores de autonomia em carros com baterias pequenas, como no sistema e-POWER da Nissan.

Por que não se fala nessas alternativas? Porque os governos estão impondo uma solução definitiva antes que as opções estejam suficientemente maduras. Baterias de estado sólido ou de lítio metal podem ajudar, mas elas ainda não estão em produção, o que tornará todos os elétricos atualmente à venda obsoletos. Não existe uma rede de distribuição de hidrogênio em que as pessoas possam confiar em lugar nenhum do mundo. Baterias substituíveis têm um custo altíssimo: quem vai pagar a conta?

Hugo Spowers – o fundador da Riversimple – me disse que muitos fabricantes de carros estão apostando nos elétricos a bateria porque não têm outra escolha. Todos estão em modo de sobrevivência, pressionados para vender algo que não emita carbono ainda que automóveis de passeio respondam por menos de 14% das emissões totais. O que lhes resta é apostar no elétrico e clamar aos quatro ventos que essa é a solução.

Em um cenário de tantas incertezas, compartilhá-las levaria a indústria automotiva a morrer com o mico na mão. Quem compraria os elétricos a bateria sabendo que ainda há tanto por resolver? Do jeito que a coisa anda, o que está em risco é mais do que apenas a sobrevivência dos fabricantes. O modelo de negócio adotado até aqui e a própria mobilidade pessoal também estão com a corda no pescoço. Tirar o chão disso tudo com uma solução provisória pode por tudo a perder com uma canetada.

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