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Publicado em 21/01/2021

Como o encerramento de 100 anos de história pode nos ajudar a desenhar o futuro

O comunicado sobre o fechamento de todas as fábricas Ford no país deixou a todos atônitos. Uma decisão tão dramática não acontece por um único motivo. Uma combinação de fatores e de decisões infelizes, conjugada ao ambiente cáustico de negócios agravado pela pandemia, desdobrou os fatos nesta direção.

Em 2018, a Ford anunciou a decisão de concentrar esforços em picapes, SUVs, novas soluções de mobilidade e nos veículos de nicho, sendo o Mustang seu mais famoso ícone. Essa direção foi definida em função da rentabilidade obtida pela empresa nesses ramos de atividade e pela necessidade de focar sua atenção em novos formatos de mobilidade, eletrificação e veículos autônomos.  Uma decisão estratégica e de longo prazo, na qual o Brasil não foi considerado como polo de desenvolvimento ou fabricação dessas novas tecnologias. Na mesma época, disse a Ford que veículos e plataformas que estivessem fora dessa regra, mas fossem comercializados de forma economicamente sustentável, poderiam continuar seu curso.

Portanto, a ordem era para descontinuar automóveis e fábricas que não pertencessem a esses segmentos e que tivessem resultados negativos para a empresa. E o que leva uma fábrica de automóveis a resultados negativos? De forma muito simplista, paga-se muito pelas peças e despesas de operação, enquanto a receita fica aquém das necessidades. Do lado dos gastos, uma fábrica consegue comprar bem se tiver escala de produção e se o projeto for executado de forma a minimizar os custos daquilo que não serve ao cliente. A chegada maciça de concorrentes fortes e o projeto global dos carros produzidos hoje – por ser complexo demais para o Brasil, ou por ser importado e pago em moeda cara – comprometeu a equação de custos da empresa.

Do lado das receitas, a geração atual de EcoSport e Ka não conseguiu conquistar clientes como a primeira geração de produtos, o que causou a perda da liderança do segmento que ela havia criado, uma vez que os clientes atuais não atribuíram à marca o valor que permitisse uma venda mais saudável, sem tantos descontos e incentivos. O EcoSport se mostrou não competitivo frente aos lançamentos das asiáticas e das outras “grandes” aqui estabelecidas. Com o menor interesse, ambos os lados da equação saíram prejudicados e a empresa informou que perdia dinheiro com a manufatura local desde 2013, ano de início de fabricação do novo Ka global em Camaçari.

Embora não exclusivo à Ford, o ambiente empresarial brasileiro nunca foi modelo de eficiência, muito pelo contrário: temos o maior cipoal de taxas e impostos do planeta, com uma complexidade incrível para a sua aplicação, acumulando despesas na contratação de mão de obra e onerando operações que deveriam ser preservadas, como a exportação. Isso é uma verdade conhecida há 50 anos! Pela complexidade em controlar impostos, o Brasil é o único país onde a lista de preços é definida por Finanças e não por Marketing. Este sistema tolhe a eficiência das empresas e reduz a sua competitividade. Não sem motivo, o Brasil deixou de ser um potencial exportador de produtos, deixando também de fazer desenvolvimento por aqui, exportando essas funções para países de baixo custo de engenharia, como Índia, Romênia, Tailândia, além das tradicionais China e Coreia do Sul. A complexidade no tratamento de impostos impede até uma avaliação mais apurada se nossos impostos são superiores aos de outros países. Tudo leva a crer que sim, a julgar pela comparação de preços de produtos produzidos no Brasil e na Índia em mercados importadores como o Chile, com grande vantagem para o país asiático. A reforma tributária não é urgente, é emergencial!

Segurança jurídica também é um assunto caro às montadoras, seja no tratamento desigual entre empresas subsidiadas ou não, seja pela regulamentação trabalhista que não preserva a competitividade. Não adianta buscar uma segurança ao trabalhador que vá lhe tirar o emprego. A primeira prioridade deveria ser a oferta de emprego ao maior número de brasileiros.

Os subsídios são um capítulo à parte. Num país tão desigual como o Brasil, é louvável a oferta de subsídios que permitam o desenvolvimento industrial de regiões menos desenvolvidas, gerando empregos, mais estudos, mais qualidade de vida. Acontece que a distância é tão grande entre a operação subsidiada e a normal, que a empresa não consegue prosseguir sem subsídios se não estiver muito bem situada nos outros atributos – o que não era o caso da Ford.

Se as operações já vinham de forma capenga antes da pandemia, a redução drástica dos volumes veio a ser a pá de cal necessária para a decisão de parar. O Brasil tem capacidade produtiva de 4,5 milhões de veículos leves em suas fábricas de automóveis. Com uma produção ao redor de 2,0 milhões em 2020, a ociosidade chega a 56%. Mesmo com produção de 2,5 milhões estimados para 2021 e a saída da Ford, a ociosidade ainda se situa em perigosos 40%. Ainda existem plantas operando abaixo do volume necessário para uma operação saudável.

O que poderia fazer o governo brasileiro para buscar o melhor para a indústria automobilística brasileira? Seria possível prevenir a perda de postos de trabalho? Em primeiro lugar, é necessário fazer um diagnóstico preciso. Desde a publicação do Rota 2030 que não se fala de indústria automobilística no Brasil. Essa legislação foi publicada em 2018 no apagar das luzes do último governo, sem uma ampla discussão do congresso e da sociedade sobre o alcance das metas de eficiência energética, emissões, segurança e auxílio ao motorista ali descritos.

O mundo passa por uma revolução na mobilidade com novas formas de conceber, fabricar, comprar e utilizar meios de transporte. Países produtores e consumidores de veículos têm discutido à exaustão as alternativas disponíveis para impulsionar os automóveis. O carro elétrico se tornou o ícone da modernidade em alguns países sede de montadoras, sem considerar que existem mercados diferentes, necessidades específicas e que o EV puro não é a solução definitiva para a mobilidade sustentável.

Qual a melhor solução de mobilidade para o Brasil? No caso do automóvel elétrico por baterias, sua recarga é feita na rede elétrica. Lembrando que os grandes centros urbanos têm recorrido à suplementação por usinas termoelétricas, aqui no Brasil, e o automóvel elétrico por baterias estaria sendo movido por combustíveis fósseis. Baterias são caras, exigindo subsídios pesados. Baterias são difíceis de reciclar. E a implantação de infraestrutura de carregamento exigiria o investimento de recursos que não temos e não teremos no médio prazo. Como solução imediata, o país poderia dirigir os esforços para os veículos híbridos movidos a etanol, conseguindo a eficiência da tração elétrica com a preservação ambiental de um biocombustível. Na verdade, a discussão pela classe política ainda nem começou.

Explorando mais possibilidades da tecnologia, o governo necessita orientar as decisões do futuro para a pesquisa, validação e implementação da geração de eletricidade limpa, como, por exemplo, a partir de células de combustível. Ao usar o etanol como uma das fontes de energia, teremos agora uma célula de “bio-combustível” o que representará um grande salto estratégico no campo da mobilidade sustentável. Esforços semelhantes foram feitos à época do Proálcool, da EMBRAER, da Petrobras, gerando soluções que aumentaram muito o PIB deste país, tornando-nos exportadores de tecnologia e produtos de maior valor agregado. Falta uma orquestração política de grande magnitude que permita que universidades, montadoras, produtores de combustível, fornecedores de peças trabalhem alinhados de forma a buscarmos uma solução ótima para o Brasil e que nos permita capturar uma verdadeira vantagem competitiva de valor global.

Ao invés de nos assustarmos com a decisão da Ford, devemos usar os ensinamentos que essa movimentação nos apresenta para desenhar a visão futura para o setor automotivo no Brasil.

Cassio Pagliarini
Bright Consulting

 

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