AUTOMOTIVERESTART

A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 22/09/2020

Em busca da mobilidade sustentável

Este assunto deve ser tratado com base no ciclo de vida completo do carro: “do berço ao túmulo”, não apenas “do poço à roda”

No Brasil, assim como em todo o mundo, as legislações de eficiência energética e de emissão de poluentes são focadas no que sai do escapamento dos veículos, enquanto o importante para a sustentabilidade são os impactos causados no planeta e na sociedade ao longo do tempo. Essa abordagem limitada só serve para produzir argumentos políticos e defender interesses particulares, devendo ser substituída por uma visão holística em prol do desenvolvimento nacional.

Seguindo essa lógica, a perspectiva de ciclo de vida aplicada ao estudo da mobilidade deve ir além do conceito conhecido como “poço-à-roda”, estendendo-o ao popularmente chamado conceito “do berço ao túmulo”, açabarcando desde a produção da matéria-prima até o descarte final dos veículos. Essa mudança, que já começa a ser mais amplamente utilizada na Europa e em outros países, coloca em discussão a “pegada de carbono” dos materiais, dos processos industriais e dos combustíveis, o que é fundamental para a valorização dos biocombustíveis como alternativa viável para a mobilidade sustentável. E isso interessa, particularmente, ao Brasil.

Dizer que um veículo elétrico é sustentável porque não tem emissões de escapamento é colocar o foco no lugar errado. Em primeiro lugar, quem precisa ser sustentável é o ambiente no qual o carro está inserido e, depois, é preciso lembrar que o termo sustentabilidade, apesar de estar frequentemente ligado a uma condição ecológica ou ambiental, engloba também os aspectos sociais, econômicos e tem de incluir toda as inter-relações entre esses fatores. O conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, portanto, deve ser definido como “o desenvolvimento que atende às necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades no campo social, econômico e ambiental”. Este sim é o verdadeiro objetivo a ser alcançado.

Em geral, o estudo do desenvolvimento sustentável é subdividido nessas três áreas – econômica, ambiental e social – chamadas pilares ou dimensões da sustentabilidade, que precisam ser abordadas sempre na avaliação de um projeto, tecnologia, política etc. Assim, a interpretação estreita na qual a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável se restringem apenas ao pilar ecológico é substituída por uma interpretação mais ampla, onde todos os três pilares são abordados no contexto em que se realiza a análise. A integração desses pilares é conhecida por “PPP” – de Pessoas, Planeta, Prosperidade –, na qual “Pessoas” representam o pilar social, “Planeta”, o pilar ambiental e a “Prosperidade” é o pilar econômico, cuja representação gráfica como vista abaixo serve para criar a noção da importância do equilíbrio entre eles. Já a representação de círculos entrelaçados dá a oportunidade de se explorar as intersecções entre eles, permitindo a análise de causa e efeito para a sociedade classificando-as como: (A) aceitável, (E) equitativo, (V) viável e (S) sustentável, que serão os critérios das análises multicritério, ferramenta desenvolvida e estudada nas universidades e outros centros de conhecimento para balizar decisões complexas.

A proposta é que se criem no Brasil núcleos que promovam essa discussão de forma consequente, com prazos, metas e responsabilidades, e que isso seja usado para reavaliar as legislações afeitas ao desenvolvimento sustentável da mobilidade. Normas, limites, prazos e programas de conservação de energia, de redução da emissão de gases de efeito estufa e ambientais têm de estar entrelaçados e com objetivos comuns.  Se forem integrados, o Rota 2030, o RenovaBio e o PROCONVE terão seus resultados potencializados, otimizarão recursos e garantirão que as vantagens brasileiras com os biocombustíveis sejam exploradas no mesmo nível de outras opções, cada uma contribuindo da melhor forma para o melhor conjunto.  

Operacionalização da Avaliação do Ciclo de Vida, indicadores de sustentabilidade e análise de sustentabilidade como ferramentas de apoio às decisões sobre a mobilidade sustentável.

Uma das ferramentas mais amplamente utilizadas para o estudo do desenvolvimento sustentável é conhecida como Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) ou, em inglês, Life Cycle Assessment (LCA). Essa técnica pode ser aplicada a cada uma das dimensões – social, ambiental e econômica – gerando Indicadores de Sustentabilidade (IS) que, combinados, podem fazer parte da justificativa para adotar uma política ou implementar uma tecnologia. Os indicadores de sustentabilidade são ingredientes fundamentais no processo de comunicação, defesa de posições e tomada de decisão.

Vale reforçar que apesar do conceito comumente conhecido, no qual a ACV está ligada somente a fatores ambientais, a abordagem pode e deve ser aplicada às dimensões sociais e econômicas para possibilitar a tomada de decisões mais abrangentes e robustas. O que se procura é evitar posições unilaterais na mesa de negociação que, por falta de uma análise completa, não possam ser contra-argumentadas. Qualquer empresa pode alegar que seus produtos são sustentáveis e qualquer ONG pode negar isso. Órgãos governamentais podem criar critérios específicos para suas áreas de influência, que por melhor e mais bem intencionados que sejam, não abrangeriam toda a complexidade do tema. Assim, qualquer discussão continuará a ocorrer ao sabor dos interesses setoriais sem gerar subsídios para uma decisão ponderada. Apenas análises e métodos cientificamente embasados podem fornecer uma base racional para decisões e argumentos. Daí a necessidade de normalizar os indicadores e os métodos com os quais eles podem ser obtidos na discussão sobre a mobilidade no Brasil. A análise de Sustentabilidade (AS) é mais ampla do que uma ACV ambiental isolada. Isso não significa necessariamente que uma AS produzirá mais resultados, mais indicadores e mais números, enfim, mais papelada; mas sim, ao combinar informações socioeconômicas e ambientais, cria o ambiente necessário para uma discussão ponderada e produtiva.

A base para produzir uma AS que leve a boas decisões é definir quais são as questões a serem respondidas. Os itens abaixo são exemplos do que deve ser considerado na análise de sustentabilidade da mobilidade:

  • Rota tecnológica, prazos e limites de eficiência energética em unidades de energia, da emissão de gases de efeito estufa e da emissão de poluentes sob o prisma da ACV e da viabilização dos custos de desenvolvimento;
  • O custo para os produtores ou compradores de veículos/motores novos;
  • A viabilidade e a praticabilidade dos padrões e prazos de introdução dos limites de emissão de poluentes e eficiência de combustível já definidos, devido à crise provocada pela Covid-19;
  • O impacto da adoção de modelos importados de normas, limites e soluções tecnológicas no desenvolvimento econômico e tecnológico da indústria automotiva e de biocombustíveis;
  • Os impactos sobre a segurança do automóvel e o efeito na saúde;
  • Ações imediatas na frota circulante, promovendo sua atualização, manutenção ou substituição;
  • Como potencializar os resultados pela integração do PROCONVE, ROTA 2030 e RenovaBio.

Ficam abertas, ainda, inúmeras perguntas que terão de ser incorporadas através da discussão que as ideias propostas irão suscitar. Essa construção deve ser feita pela sociedade organizada em entidades representativas dos mais diversos setores, pois afeta a vida de todos. Mas é fundamental que se eleja já um foro de decisão de alto nível com a responsabilidade de implementar as políticas eleitas, nos moldes da Comissão Nacional de Energia (CNE), voltadas à mobilidade sustentável, que já comecem estabelecendo objetivos, prazos e responsabilidades.

Joaquim Seabra

Bright Consulting

Office: + 55 19 3397.0175

contato@brightisd.com

Condomínio Centre Ville I
Rua Place Des Vosges, 88, BL. 2,
UN 114, CEP 13105-825
Campinas - SP, Brazil

Todos os direitos reservados à Bright Consulting

Desenvolvido por: