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Publicado em 21/01/2021

Mobilidade Sustentável para o Brasil

Reflexões que a decisão da Ford em abandonar a produção local podem trazer para o desenho do nosso futuro.

Enquanto o movimento da Ford em abandonar a produção local gerou grande comoção nacional pela perda de empregos, discussões sobre reforma fiscal, segurança jurídica e decisões empresariais, também notou-se uma abertura de espaço para a discussão do futuro da mobilidade sustentável no Brasil.

As marcas comercializadas por aqui têm trazido soluções disponíveis em suas matrizes ou em grandes mercados onde participam. A única solução com algum desenvolvimento para o mercado brasileiro foi a versão flex do Toyota Corolla Hybrid, que, por esse motivo, pela força da marca e pela relativa acessibilidade, tem dominado as vendas do setor, com 51% das vendas do segmento. Demais produtos Toyota no segmento perfazem mais de 68% das vendas.

No caso deste veículo da Toyota, a tração, ou seja, a forma como a energia chega nas rodas, pode se dar pela conexão direta do motor de combustão e/ou por motores elétricos. Esta configuração é chamada de híbrido em paralelo. No híbrido em série, a energia que chega às rodas só vem dos motores elétricos. Já que a tração é sempre elétrica, este é um veículo elétrico, pois a eletrificação dos carros com motores elétricos tracionando as rodas é que geram o benefício da eficiência e da recuperação da energia de frenagem.

A energia elétrica pode ser produzida externamente ou no próprio veículo. Isso não muda o fato de que ele tem tração elétrica. Quando a eletricidade vem pronta, de fora do veículo, ela é armazenada em baterias e a produção embarcada é feita com o uso de motores de combustão interna ou hidrogênio. A energia elétrica gerada a bordo pelo motor de combustão, ou pelo hidrogênio, pode ser tão ou mais limpa que a eletricidade gerada externamente.

A diferença no consumo de um veículo com baterias e um em que a eletricidade é gerada a bordo vem, em parte, do fato de que, no primeiro caso, o trabalho para produzir a eletricidade foi feito antes e, na geração embarcada, ele é feito no próprio automóvel. A geração elétrica externa é mais eficiente e o veículo com baterias tem uma eficiência energética melhor, o que não significa necessariamente que a emissão de gases de efeito estufa será menor. De qualquer forma, o uso de veículos elétricos depende da instalação de unidades de recarga. Mesmo que se considere investir pesadamente nesta infraestrutura, isso não será trivial em um país com as dimensões e peculiaridades regionais como as do Brasil ou mesmo de outros países não ocidentais desenvolvidos, que respondem por grande parcela da venda global de veículos.

Utilizando etanol de cana ou de milho, produzidos no Brasil, a produção de gases de efeito estufa de um carro eletrificado com etanol é igual a de um veículo elétrico utilizando energia elétrica limpa, eólica – quando considerada a emissão de todo o processo, desde a produção do veículo e seus componentes, principalmente da bateria, e o seu uso por pelo menos 100.000 km em uso urbano.

Além disso, o hidrogênio verde, produzido a partir de energia elétrica limpa, será a forma de utilizar a energia elétrica eólica ou solar sem a necessidade de baterias e, por esse fato, é considerado o combustível do futuro. Cabe lembrar que o hidrogênio verde também pode ser produzido por meio de biocombustíveis. No entanto, essas tecnologias ainda estão em desenvolvimento, pois as energias solar e eólica respondem por apenas 3% da energia total gerada no planeta e demoraremos décadas para que essa participação se torne razoável. O combate ao aquecimento global não pode esperar.

Diante desse contexto, a estratégia mais rápida e barata para conter o aquecimento global será a utilização de combustíveis renováveis, de baixo carbono, em um veículo elétrico com geração de eletricidade embarcada, usando um motor de combustão interna eficiente. Na Europa, existem várias iniciativas de produção do chamado e-fuel, reciclando o CO2 retirado do ar e usando o hidrogênio obtido com energia elétrica solar ou eólica a fim de produzir combustíveis limpos para os motores de combustão.

Poderia, então, se concentrar o uso dos veículos elétricos com baterias em aplicações urbanas, onde os custos com a infraestrutura de recarga e com a produção da bateria e seus materiais compensem em um intervalo de tempo relativamente curto. Isso porque, a longo prazo, o mundo inteiro tende a utilizar células de combustível com o hidrogênio verde. O uso de baterias é uma solução transitória em veículos de passageiros e só será efetiva para países de pequena extensão que já contam com a geração de energia elétrica limpa, como a França e a Noruega e Suécia, e países que podem pagar por uma transformação energética rapidíssima, como a Alemanha. Mas, essa medida não será economicamente viável para o transporte de cargas a longa distância.

O Brasil já tem combustíveis renováveis em grande escala e pode se tornar um grande exportador de hidrogênio verde, dado o potencial eólico e solar e de biocombustíveis como o etanol e, principalmente, o biogás.

Uma solução transitória única – de veículos elétricos com baterias que não serão produzidos aqui –, por todos os problemas que fizeram a Ford sair do país, nos deixará a mercê da sua importação, provocando a desindustrialização maciça do setor automotivo, com o custo adicional e elevadíssimo de implementar a infraestrutura de recarga de veículos por todo o país, para depois refazer todo o esforço para implantar o hidrogênio. Nem se tivéssemos um excelente planejamento e um caminhão de dinheiro isto daria certo.

Um assunto tão importante como esse ainda não foi debatido pela classe política.

As montadoras trazem as soluções disponíveis nas suas matrizes como se elas fossem boas para o país. Quando não dá certo, não podem continuar perdendo dinheiro e vão embora. E o risco de isso acontecer é grande, porque os elétricos nos seus países de origem custam o dobro da média que se paga por veículos aqui e só são vendidos lá fora com altos subsídios, que seguramente não existirão no Brasil.

O argumento de que a nossa energia elétrica, em grande parte renovável, já é limpa e, portanto, pronta para os veículos elétricos, também é questionável, pois não é considerado que, mesmo que o investimento na infraestrutura seja feito pela iniciativa privada, ele terá que ser remunerado. Além disso, toda a energia elétrica que pudermos gerar será necessária para a retomada do crescimento econômico. Temos termoelétricas operando para suprir a demanda não atendida pela geração limpa de energia elétrica, mas, nesse caso, o carro elétrico a bateria estaria consumindo indiretamente combustíveis fósseis.

A melhor combinação das tecnologias existentes e a serem desenvolvidas depende de planejamento e atitude para fazer acontecer. Estamos pagando muito caro para aprender, com o drama das vacinas, o custo econômico e social de depender de importações de produtos e do não domínio de tecnologias vitais para a qualidade de vida de uma população. A mobilidade sustentável se inclui neste rol. A decisão de todos os países que optaram pela eletrificação com baterias foi tomada considerando o melhor caminho – econômico, social e ambiental. Mas, eles não dispõem da prerrogativa de produzir biocombustíveis com baixo teor de carbono em volume suficiente, sem comprometer a segurança alimentar de seus povos e depender de importações. Para justificar sua escolha e criarem mercado para os seus novos produtos exclusivos, alimentam todo tipo de argumento negativo contra os biocombustíveis, ajudados por escândalos ambientais que não podemos negar, mas que nada têm a ver com o verdadeiro agronegócio no Brasil. Aqui, produzimos biocombustíveis e alimentamos parte do mundo sem comprometer o meio ambiente.

Lembrando o que o “filósofo” Nelson Rodrigues disse: “Toda unanimidade é burra!”. Uma decisão diferente, fundamentada, seguida de ação coordenada e consequente pode gerar a confiança necessária para incentivar investimentos e retomar o crescimento.

Ricardo Abreu
Bright Consulting

 

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