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A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 01/10/2020

Os testes de emissões precisam ser revistos com urgência

A realidade brasileira não corresponde à europeia e os prejuízos para o meio-ambiente e para a economia tendem a se agravar

As especificações de ensaios de emissões e consumo não têm apenas o objetivo de regulamentar o atendimento do que foi previsto em banco de provas. Elas devem ser as melhores formas de garantir que o efeito final no meio-ambiente, para o consumidor e para a política energética, sejam os planejados, sem desdobramentos negativos para a sociedade.

As normas devem cumprir vários papeis: refletir o resultado de um plano elaborado a partir dos problemas ambientais a serem resolvidos; fixar os limites e a metodologia de teste,  considerando as tecnologias a serem utilizadas nos veículos e as rotas tecnológicas que interessam ao país, seja do ponto de vista ambiental, de segurança energética ou da política industrial. Só assim, uma legislação ou qualquer conjunto de regras é capaz de atingir seu objetivo final: disponibilizar o melhor custo-benefício para o conjunto da sociedade.

Ter como base especificações de testes já existentes e comprovadas no exterior é salutar, porque garante uma atualização tecnológica e facilita as possibilidades de exportação. Porém, não se deve perder de vista que essas especificações foram criadas para um determinado ambiente, estão sintonizadas com as políticas e rotas tecnológicas do local de origem e os limites tendem a induzir, ou até a forçar, a utilização das tecnologias que os governos locais querem favorecer.

No caso da emissão de poluentes, até os limites atualmente em vigor no Brasil, a importação de regras estrangeiras funcionou relativamente bem, mas, para os próximos limites do PROCONVE L7 e L8 do Rota 2030 em 2027, é necessária uma análise mais profunda. Isso porque, principalmente na Europa, as legislações e métodos de ensaio estão claramente direcionados à mudança da plataforma tecnológica na direção de veículos elétricos, e com o objetivo específico de evitar a utilização de dispositivos ilegais nos veículos leves com motor Diesel, que ludibriaram a legislação, causando um grande desgaste de imagem e credibilidade aos órgãos legisladores.

O Dieselgate, como essa fraude ficou conhecida, antecipou e modificou o que era um desejo antigo: a introdução da medição de emissões e consumo durante o uso real dos veículos em vias públicas, chamado de RDE (Real Drive Emissions). Ou seja, não vale mais só a aferição no campo de prova. O novo procedimento depende de analisadores e de equipamentos portáteis com boa precisão e que evoluíram muito, permitindo sua adoção atualmente. Dentre os poluentes críticos, os automóveis de passageiros e os veículos comerciais leves contribuem principalmente para as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx). Para evitar a repetição de casos como o Dieselgate (em que fabricantes usaram estratagemas ilícitos durante o teste de homologação e burlaram a legislação produzindo menos NOx nos testes de banco de provas do que no campo), a Europa adotou um novo critério de homologação, que agora  compara as emissões do teste no laboratório com os resultados da medição real no campo, o RDE.

O RDE é aplicado na Europa para o controle de NOx e para a contagem de partículas de material particulado fino (PN) em veículos à gasolina com injeção direta. O monóxido de carbono (CO) será apenas monitorado. As emissões de hidrocarbonetos (HC) de qualquer espécie não estão incluídas no procedimento de teste RDE europeu. A fase de partida a frio será incluída no teste em um momento futuro, devido às baixas temperaturas que fazem com que essa seja uma condição crítica naquele continente.

O novo modelo europeu de controle de emissões estipulou fatores de correlação entre os resultados do teste de campo RDE e do ensaio de homologação em laboratório para duas substâncias: o NOx e o PN (este último, só para veículos à gasolina com injeção direta. Com base nessas correlações, foram definidas as diferenças máximas toleradas entre os testes de campo e de homologação. É importante lembrar que os ensaios de banco de provas são imprescindíveis para o desenvolvimento e certificação dos veículos, seja para emissões ou consumo, porque os ensaios de campo têm uma variabilidade estatística que inviabilizaria os custos e o cronograma de lançamento dos produtos. Portanto, eles não serão substituídos, mas aprimorados por meio do RDE.

As razões que levaram a Europa a incluir o fator de correlação como controle das emissões de NOx dos carros diesel não são críticas para os veículos leves no Brasil, porque, aqui, só veículos 4×4 SUVs e comerciais leves podem utilizar Diesel. O nível de PN na injeção direta de motores utilizando E27 ou E100 é muito mais baixo do que com a gasolina europeia. Além disso, essa tecnologia tem participação limitada no mercado brasileiro.

Nada disso, porém, invalida a necessidade de um ensaio que reproduza com mais exatidão o que acontece com as emissões veiculares no uso real nas ruas brasileiras.  Um ensaio desse tipo é desejável até para aferir o nível de correlação com os resultados obtidos nos procedimentos em banco de provas brasileiros, que certamente são diferentes dos europeus. Entretanto, para isso, o teste de campo RDE precisa refletir as reais condições de tráfego, climáticas e geográficas brasileiras, usando o combustível local. China e Índia já fizeram essa lição de casa. Os valores do RDE serão medidos no Brasil a partir do L7 para serem usados a partir do L8.

Na fase L8 do PROCONVE, foi estipulada a utilização do comparativo das emissões no campo RDE e de banco de provas não só para o NOx, como na Europa, mas também para o monóxido de carbono e os hidrocarbonetos — incluindo o etanol não-queimado, e determinando que todos devem atender o mesmo fator definido só para o NOx na Europa. A adoção dessa metodologia e dos limites tem que ser garantida por um estudo aprofundado de sua aplicabilidade no Brasil, pois:

  • Não foi definido um fator de correlação para o CO, nem estudados HC de qualquer tipo na Europa. A aplicação pura e simples do fator para NOx não tem respaldo técnico;
  • Os limites de NOx e hidrocarbonetos (NMOG), incluindo o etanol, são definidos em conjunto – NOx+NMOG – diferentemente da Europa e novo para o Brasil também;
  • O método de homologação em banco de prova no Brasil é baseado no método americano, diferente do da Europa, e não guarda a mesma correlação com o RDE;
  • O teste de campo RDE brasileiro precisa representar as condições brasileiras de tráfego nas cidades mais representativas, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte;
  • O combustível de referência E22 e a utilização de E27 e E100 no campo e seus efeitos na fase fria não foram estudados e terão mais dificuldades, se mantidas as especificações europeias.

O PROCONVE prevê o uso do fator de correlação entre o teste de campo e o de banco de provas só a partir do L8, em 2025. A partir da fase L7, em 2022, serão colhidos resultados de testes de campo que deveriam ser utilizados para a definição dos fatores de correlação de todos os poluentes, com procedimentos de testes que estão sendo adequados para o Brasil por entidades já designadas, tornando os comparativos entre o banco de provas e o campo válidos aqui. Tudo isso, de preferência, utilizando a oportunidade para alterar a especificação do combustível padrão de ensaios de emissões e consumo, hoje um E22, para uma especificação de referência representativa do E27 utilizado no campo.

Tais trabalhos precisam ser finalizados rapidamente para permitir que o desenvolvimento dos ajustes dos motores e dos veículos obtenha o benefício pretendido para o meio-ambiente e, claro, com bom desempenho. Fatores de correlação adotados sem base experimental local geram insegurança no atendimento dos limites, o que pode exigir novos desenvolvimentos de softwares e componentes no futuro, encarecendo os veículos e postergando a introdução dos limites.

O RDE fornecerá valores bem mais próximos do consumo real dos veículos e melhorará a correlação com os ensaios de emissões em banco de provas. Estes ensaios consideram o CO2 emitido pelo escapamento durante os testes bem como para o cálculo do consumo de combustível, por meio das fórmulas químicas da combustão. Com isso, se obtém o consumo em massa ou volume a partir do CO2 emitido no escape. Mas, relacionar esse resultado com a produção de gases de efeito estufa como é feito na Europa não é uma análise completa, pois só é considerada a fase final – do tanque-à-roda – de produção desses gases. Mesmo a utilização do CO2 para o cálculo do consumo não funciona com combustíveis que, ao gerar energia, não emitem CO2, por exemplo, o hidrogênio e a eletricidade. Portanto, este método apresenta problemas tanto como medida indireta da eficiência energética, quanto para avaliar a contribuição nas emissões de gases de efeito estufa.

O programa Rota 2030, mesmo utilizando os resultados de consumos dos testes de  certificação do PROCONVE,  utiliza de forma correta a quantidade de energia – o Joule, ou o Mega Joule (MJ) – gasta para um veículo percorrer a distância de um quilômetro (km), em MJ/km, para expressar a eficiência energética, qualquer que seja o combustível utilizado.

Tanto o PROCONVE como o Rota 2030 seguem o conceito do tanque-à-roda, que não é suficiente para as avaliações de sustentabilidade, mas guarda correlação com procedimentos internacionais de emissões de escapamento e deve continuar a ser utilizado pelos engenheiros para o desenvolvimento veicular. No entanto, os comparativos com legislações de eficiência energética que utilizam o g CO2/km como parâmetro de limites corporativos, mesmo incluindo veículos elétricos que aparecem como zero g CO2/km, distorcem o resultado da eficiência energética média do fabricante e não permitem comparação justa com empresas que produzam apenas veículos dotados de motores de combustão interna.

Como os limites europeus de eficiência energética a partir de 2020 (95 g CO2/km) já pressupõem uma grande participação de veículos elétricos e híbridos plugin na produção de todos os fabricantes, a  correlação com o limites brasileiros em MJ/km não acontece de forma direta, porque a eficiência energética dos veículos elétricos não é zero MJ/km e a transformação de unidades não pode ser feita de forma direta. Logo, o limite do Rota 2030 de 2027 terá que ser calculado corretamente, inclusive considerando o mix de produto e as soluções tecnológicas locais.

Ricardo Abreu | Francisco Nigro
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