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A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 29/09/2020

Um tributo à exergia: por um Proálcool elétrico

O etanol pode funcionar como elemento chave no desenvolvimento do carro elétrico no Brasil

Não se preocupe se nunca ouviu falar ou se não lembra direito o que significa a palavra “exergia”. Emprestado da física, e mais precisamente da termodinâmica, exergia significa a quantidade máxima de trabalho que pode ser realizada por uma determinada fonte de energia. Isso é importante, porque nem sempre (ou quase nunca) conseguimos aproveitar todo o potencial de trabalho que uma fonte de energia é capaz de realizar. Nesse momento, o Brasil pode estar diante da oportunidade de extrair muito mais valor de uma de suas fontes de energia mais extraordinárias: o etanol.

No início da década de 70, o preço do barril de petróleo passou de 3 para 30 dólares em poucos meses. Foi o choque do petróleo, que literalmente parou o mundo. Importador de quase todo o petróleo que consumia, o país foi atingido em cheio pela crise. A reação veio na forma da indústria do etanol, que vai muito além de plantar e moer cana. A partir dela, foi possível o desenvolvimento de uma incrível cadeia de valor, cuja locomotiva estava na indústria automobilística. Engenheiros brasileiros, em estreito trabalho de parceria público-privada, desenvolveram a tecnologia do carro a etanol, que chegou a participar com mais de 90% da venda dos novos automóveis. Quando as imperfeições do mercado levaram à descrença do consumidor, os engenheiros reagiram novamente e criaram o carro Flex-Fuel, único no mundo e que corresponde à maior parte da frota atual do Brasil.

A tecnologia do etanol, porém, enfrenta problemas que vão muito além das bancadas de teste. São questões que podem ser enfrentadas. A primeira é a tese de que o etanol não pode ser produzido em larga escala para o mundo e que competiria com a produção de comida, o que é uma absoluta falácia. Demonstra-se com facilidade que o emprego de tecnologias já em estado avançado, como o etanol de segunda geração, permite que, com cerca de 100 milhões de hectares de terra, seja produzido etanol para abastecer toda a frota mundial de Ciclo Otto. Para colocar em perspectiva, o Brasil tem 200 milhões de hectares só de pastagens de baixa produtividade; segundo o WWF (World Wildlife Fund), a África possui cerca de 540 milhões de hectares para produção de biocombustíveis. Ou seja, temos área mais do que suficiente para abastecer o mundo com etanol com a grande vantagem de que a produção dessa molécula gera cerca de 7 a 10 vezes mais empregos por unidade de energia do que a sua contraparte fóssil.

A segunda falácia é a visão de que o carro sem escapamento, como o elétrico à bateria, não polui. Esse argumento não passa pela mais elementar Análise de Ciclo de Vida (ACV) do produto, considerando-se que 80% da eletricidade mundial é gerada a partir de fontes fósseis. Portanto, sabendo que o planeta tem apenas uma atmosfera, é completamente irrelevante o local onde os gases de efeito estufa são despejados, se na hora de produzir a energia ou quando é liberado pelo escapamento do veículo. Não se pode desprezar, porém, o fato de os veículos elétricos terem se tornado “sexy”, virando um sonho de consumo, especialmente nos mercados mais ricos. É preciso atentar também a tremenda vantagem de não se lançar particulados no ambiente das cidades. O estudo da Covid-19 demonstrou que um acréscimo de 1 μg/m3 de material particulado de 2,5μm (PM2.5) no ar que respiramos está associado a um aumento de 8% na mortalidade pela doença.

Por fim, há a “maldição” dos 70%. Quando vamos abastecer, observamos “se o etanol compensa” com um cálculo feito a partir da paridade energética com a gasolina. Entretanto, esse é um cálculo digno de um homem das cavernas, que vivia em meio à escassez, nunca de um homem moderno. Quando vamos a um supermercado, não escolhemos o que comer apenas pelo valor calórico. Escolhemos a partir dos benefícios para a nossa saúde – um cálculo de longo prazo. Temos que colocar a mesma lógica para o planeta, a casa onde vivemos e viveremos.

 Entretanto, sabemos que nossa disposição para o bem comum está muitas vezes limitada pela nossa capacidade financeira. É aqui que entra o conceito de exergia. O etanol pode gerar muito mais vantagens (trabalho) do que gerou até agora, participando da eletrificação da frota brasileira de veículos. Da mesma forma que extraordinários engenheiros brasileiros desenvolveram o carro a álcool e o Flex, é hora do país se dedicar às células de combustível, em particular as SOFC (Solid Oxide Fuel Cell). A partir delas, o etanol tem o potencial de fazer um carro médio sair dos 9 km/l para os 25, os 30 km/l, mantendo-se “sexy”, por ser elétrico, e sem geração de particulado. O desenvolvimento dessa cadeia tecnológica tem o potencial de reduzir o efeito estufa. Do ponto de vista do mercado, trata-se de uma oportunidade única para introdução de um novo produto. Considerando-se que a maior parte da frota local é Flex, a relação de 0,7 irá perdurar por bastante tempo, convertendo-se, assim, em uma benção para os donos desses novos carros: pagando menos que a gasolina, rodarão mais que o dobro da quilometragem.

Creio que todas as condições estão postas. O Brasil tem três programas de enorme importância – o RenovaBio, o Proconve e o Rota2030 – que, se bem articulados, deverão levar às políticas públicas adequadas para esse “Proálcool Elétrico”, que, novamente, deverá ter na indústria automobilística a sua locomotiva. Assim, essa crise poderá trazer um quadro benigno para novos investimentos comprometidos com o desenvolvimento tecnológico. É uma oportunidade que o país não pode perder.

Gonçalo Pereira

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