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Publicado em 23/09/2021

VOLTAMOS AOS PREÇOS

Quais os impactos dos aumentos de preço implementados nos veículos novos no Brasil

Por Cassio Pagliarini | Chief Marketing Officer

A escalada de preços na indústria automobilística já gerou discussão e continua a alimentar grandes debates e afetar muitos negócios. Está em jogo mais do que a oportunidade de comprar ou vender um veículo. É um fenômeno mundial, embora o Brasil sofra consequências mais severas e pode ter sua recuperação retardada. Este artigo vai sumarizar as mecânicas envolvidas e listar conclusões de médio prazo que afetarão todos os atores desse mercado.

Nenhum executivo da indústria automobilística ignora o brutal aumento de preços implementado ao longo de 2020 e 2021, com 18% acumulados de elevação acima da inflação aqui no Brasil. Essas empresas conhecem muito bem as leis de elasticidade e, mesmo assim, optaram por esse aumento enorme – vejamos por quê.

Nos meses de março, abril, maio e junho de 2020, as vendas da indústria automobilística foram severamente afetadas pela pandemia, com queda máxima de 73% em abril e maio. Várias fábricas pararam por algum momento a partir de 20 de março na intenção de barrar a transmissão da doença, mal sabendo a duração da pandemia e que o pior viria muito tempo depois. Com o gatilho da pandemia, se iniciaram os aumentos dos preços de commodities – aço, alumínio, vidro, borracha, derivados de petróleo, eletrônicos – assim como se acentuou a valoração das moedas estrangeiras, também afetando os commodities e os componentes importados para a produção brasileira. Além desses fatores, a proximidade das metas 2022 do programa Rota 2030 e das emissões PL7 veio obrigando a adoção de um conteúdo tecnológico mais robusto, contribuindo também para o aumento de custos. Dentro dessa perspectiva de baixos volumes e custos explodindo, as montadoras tomaram a única decisão segura: aumentar o preço para garantir uma margem bruta adequada e vender o volume que o mercado conseguisse absorver.

Também é sabido por todos que a recuperação dos volumes da indústria aconteceu em “V” em 2020, com volumes em novembro e dezembro muito próximos aos de 2019. Essa recuperação aconteceu com a exaustão dos componentes que estavam no fluxo logístico de cada montadora, algumas equivalentes a 5 meses de produção para componentes importados. As vendas de automóveis se recuperaram rapidamente, pois as famílias realocaram recursos destinados a viagens de férias, cursos e restaurantes – atividades restringidas pela pandemia – para a substituição do “possante” na garagem ou para troca da residência. Somente com a utilização desses recursos discricionários, foi possível explicar a recuperação de volumes em um cenário de aumento acentuado de preços, que, aparentemente, subverteu a elasticidade preço X demanda.

Pausa para reflexão. Elevação de preços e vendas em alta em veículos novos forçaram uma recuperação ainda mais forte de veículos usados em 2020, alcançando volumes acima de 2019. Na cadeia de acontecimentos, a recuperação de usados fez um novo gatilho para a recuperação das locadoras, que haviam enfrentado uma maciça devolução de veículos no início da pandemia, mas passaram a vender seus veículos usados em ótimos preços – bom para fluxo de caixa, mas perigoso para negócios futuros. Apesar do efeito positivo dessa bolha de demanda, a elevação de preços também trazia o risco para a recuperação de volumes quando os suprimentos estivessem normalizados e os recursos das famílias voltassem para férias, cursos e lazer.

Até este momento, existiam percalços, mas a recuperação acontecia e apenas os veículos mais desejados sofreram restrições de vendas pela falta de estoque. Isso permitiu a outras marcas e modelos um crescimento maior do que o normal, ocupando o espaço dos “queridinhos” em falta no mercado. Por outro lado, o aumento de preços, as exigências regulatórias e a demanda do mercado por mais tecnologia pressionaram bastante o segmento dos hatches e sedans compactos, menos capazes de assimilar o aumento de preços: vendidos até então em grandes volumes para as locadoras e com muita concorrência, essas famílias de veículos ficaram economicamente inviáveis em suas versões mais simples. Os SUVs e novas picapes médias cabine dupla, em contrapartida, permitem tickets médios mais altos, assim como incorporam mais equipamentos agora obrigatórios, e acabaram roubando a parte superior dos hatches e sedans, entregando um estilo de vida superior. Já os hatches econômicos subcompactos, como Fiat Mobi e Renault Kwid, ficaram com a parte inferior das vendas. O resultado se vê nas ruas, com a liderança dos SUVs, com mais de 35% das vendas, e com as picapes quase empatando em vendas com os veículos hatchbacks, antes líderes indiscutíveis.

Entra, então, o efeito mais forte da falta de componentes eletrônicos.

O home office e as atividades da pandemia potencializaram a demanda de smartphones, notebooks, desktops, consoles de jogos, tablets, muito necessários nos mercados em lockdown. Essas empresas foram ágeis em capturar o volume de chips não consumidos pelas montadoras para alavancar a sua própria produção. Quando as montadoras voltaram a pedir esses componentes, não tiveram “peso” suficiente para reaverem o fornecimento. Em um primeiro momento, as montadoras instaladas por aqui orientaram os parcos estoques para os veículos mais lucrativos, com grandes hiatos na produção. Depois, seguiram-se cortes e paralização de fábricas. O exemplo mais contundente é o do Chevrolet Onix, que sofreu com todos os argumentos citados até agora e teve a produção cortada por mais de 5 meses.

Para se ter uma ideia da enorme carestia de componentes eletrônicos, o estoque “normal” de veículos zero km acabados entre montadoras e concessionários é de 200 mil unidades, ou aproximadamente 25 dias de estoque. Ao fim de agosto último, a ANFAVEA divulgou um estoque de 85 mil veículos, equivalente a 13 dias de vendas. Essa redução de estoque não é linear, pois diminuem também as possibilidades de escolha entre versões e cores, o que restringe a venda. A redução de estoques não é exclusivamente brasileira, mas o efeito é potencializado pelas operações brasileiras pouco lucrativas e por estarmos na extremidade de um canal logístico que tem início na Ásia. O aumento do contágio de Covid-19 em países como a Malásia, grande produtor de chips, contribuiu para redução da produção. O incêndio em fábrica japonesa de chips tornou ainda pior o que já era desesperador. O período de implementação de novas fábricas de chips é muito longo e os otimistas dizem que a situação só estará definitivamente resolvida em 2023.

Olhando pelo prisma dos concessionários, a falta de estoques permitiu a todos fazer vendas a varejo com descontos mínimos. Nas marcas que têm preservado seu fluxo de carros, sua rede passa por bons momentos. Nas marcas onde falta produto, nem os preços cheios são suficientes para compensar o baixo volume, que afeta também as operações de pós-vendas, com menor número de revisões. Fornecedores sofrem também, pois deixam de vender seus componentes, sem qualquer responsabilidade pelas perdas de produção.

O resumo da ópera

Resumindo, vários fatores adversos contribuíram para estabelecer a maior anomalia de produção já experimentada pelos fabricantes de todo o mundo, excetuando-se as guerras. O que fica de toda essa história? Quais mudanças permanecem e quais podem se reverter com o tempo aqui no Brasil?

  • Veio para ficar o aumento de conteúdo tecnológico por demanda do público e pela regulação, o que levou a indústria na direção de um mix mais rico, embora de volume total menor. A chegada dos SUVs subcompactos como o Citroën C3, Renault Kwid SUV, Hyundai Casper, VW Polo SUV trará a oportunidade da receita incremental tão necessária para pagar os custos crescentes. Mesma coisa com picapes.
  • A carestia de semicondutores estará resolvida no fim de 2022 ou início de 2023, regularizando a produção. Isso é bom e ruim. É bom porque vai normalizar o fornecimento de veículos e é ruim ao expor a demanda real do mercado. Devemos nos lembrar que o efeito da elasticidade preço X demanda ainda não se fez sentir pela falta de produtos. À luz de argumentos tão antagônicos, o volume de vendas em 2023 é uma grande incógnita e depende profundamente dos acontecimentos políticos e econômicos do próximo ano.
  • No momento em que a produção estiver se regularizando, viagens, cursos e restaurantes deverão estar normalizados, recuperando sua parcela dos recursos das famílias. Ruim para a compra de automóvel.
  • Com a baixa valorização da moeda local, tornam-se mais viáveis os projetos de nacionalização de conjuntos, como por exemplo de transmissões automáticas, hoje importadas pela legislação de ex-tarifário. Isenções e benefícios continuarão na contramão das prioridades do atual governo, face ao déficit público acumulado durante a pandemia.
  • Surgem oportunidades para os formatos criativos e diferenciados de comercialização. Assinatura de veículos, planos de leasing abrangentes, inclusão de despesas de pós-venda e seguro no valor de compra, inclusão de pacotes subsidiados de conectividade serão cada vez mais eficientes pela compra em escala e farão aumentar a demanda por esses canais de vendas.
  • Existirá uma dependência crescente de um monitoramento da jornada de compra dos clientes, com maior peso da venda de veículos a partir de leads – tanto para redução de custos de prospecção ou captura, quanto pelo tratamento mais individualizado dado aos clientes, buscando sua lealdade.
  • É muito provável que o próximo arcabouço regulatório tome a eficiência energética ou a emissão de CO2 como pivôs de taxação. Não faz mais sentido taxar pela cilindrada, quando veículos sofisticados têm motor 1.0 turbo cheio de tecnologia. Os veículos mais eficientes poderão, inclusive, contar com benefícios adicionais para permitir a continuidade do veículo “popular” – pequeno, de baixo consumo e baixa emissão de gases estufa.

A necessidade de acompanhamento de rotas tecnológicas, eficiência energética, equipamentos inovadores e plataformas modernas para uma montagem barata aumenta a responsabilidade dos departamentos de inteligência de negócios (BI) dos fabricantes. Estará fora do negócio quem não caminhar na direção correta, inclusive com desdobramentos exclusivos para o Brasil na mobilidade sustentável. A Bright Consulting tem todas essas informações de forma acessível, com inteligência artificial que permite a antecipação de conclusões, ao alcance de um clique.

 

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