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Publicado em 02/12/2022

POR QUE O CARRO FEITO NO BRASIL CUSTA TÃO CARO? A CAIXA PRETA.

Por Orlando Merluzzi

O preço do carro produzido no Brasil é um assunto que resulta em discussões acaloradas, passionais e geralmente rotulam as montadoras e suas redes de concessionárias como vilãs, praticantes de margens de lucro abusivas e indecentes.

A realidade é bem diferente e para fazer essa análise, de modo independente e sem emoção, é preciso conhecer o lado interno das montadoras e não tentar adivinhar o tamanho do iceberg, medindo apenas a parte visível acima da água.

Inicialmente faço três afirmações objetivas

  • A cadeia de impostos não é o único fator que faz o carro brasileiro custar tão caro.
  • As montadoras e as concessionárias não praticam margens de lucro abusivas.
  • Há outras razões que fazem o carro brasileiro custar caro e perder competitividade.

Alíquotas de impostos, ineficiência e jabuticabas

O fato de os veículos produzidos no Brasil custarem o dobro do que em outros países não se justifica apenas com a carga tributária e margens de lucro. Há uma enorme sequência de custos e ineficiência no processo de produção, desde a cadeia de fornecedores, passando pelas operações de manufatura, logística e distribuição, que adicionam bons índices percentuais na composição do preço do veículo.

A participação dos tributos no preço final do carro produzido no Brasil representa, em média 30% (segundo a Anfavea). Em países europeus, os impostos incidentes no preço final dos carros variam de 16% a 18% e em outros países, como Japão e EUA, podem representar menos de 12%. Mas não é tão simples fazer a comparação. Há mais coisas que precisam ser consideradas nessa análise e que prefiro chamar de “realidade local” e não de “custo Brasil”.

A mão de obra para a indústria custa até 2,5 vezes o salário que o empregado recebe e não são somente os encargos sociais e benefícios que compõem esse custo, embora a mão de obra direta represente uma parcela pequena do custo de produção de um veículo.

Educação básica, treinamento, logística, custo do capital, cartórios, provisões.

A necessidade de treinamento e de desenvolvimento de competências no Brasil custa mais caro que em outros países. O nível de educação básica é muito baixo, comparado com países desenvolvidos e essa questão implica diretamente na produtividade – não confundir produtividade com volume de produção. A baixa produtividade resulta em aumento de custos e os fornecedores das montadoras também operam nesse mesmo ambiente. As empresas de limpeza, segurança, transportes, alimentação, manutenção e outros serviços, carregam todos esses custos e ineficiência, que serão, naturalmente, incorporados nos custos indiretos da operação e irão para o preço final do carro.

O frete que leva o veículo da fábrica para as concessionárias custa mais que em muitos países desenvolvidos e quem paga o frete é o cliente final. Adicione-se a isso os elevados custos logísticos, seguros e as muitas taxas cartoriais.

Há, ainda, outros elementos que impactam na formação do preço, decorrentes da ineficiência operacional e do custo do capital. Provisões para despesas variáveis, cortesia comercial e manutenção de estoques indesejados, não costumam ser esquecidas na hora de formar o preço. Mesmo que as provisões para “garantia” sejam, teoricamente, responsabilidade do fornecedor, trata-se de um processo de gestão embutido no preço das peças e componentes. Vários fatores afetam garantia e qualidade, desde a questão educacional até a falta de investimentos em tecnologia e infraestrutura.

A caixa preta

Tudo o que foi descrito anteriormente vai para o preço do veículo e sobre ele incidem os impostos em cadeia. É assim que se constrói a caixa preta do setor e é por isso que a culpa recai somente sobre a cadeia de impostos e sobre as margens das montadoras e das concessionárias. Na realidade, impostos e margens são parcialmente culpados.

Quanto aos carros vendidos mais barato para outros países

Alguns analistas tentam comparar valores absolutos em moeda convertida, o que constitui equívoco, pois, convertendo-se valores de outros países e comparando com valores no Brasil, convertidos em dólares, estarão comparando banana com jabuticaba. A paridade monetária e a volatilidade cambial de cada país não permitem tal comparação em valores absolutos, a não ser em momentos estáticos (mas o processo é dinâmico). Em adição a isso, o veículo exportado possui benefícios fiscais que não estão presentes na venda para o mercado interno e isso reduz a base de preços de exportação, ou seja, o FOB para o país de destino é menor.

Compensações bilaterais

Qualquer gestor mediano sabe o que significa “venda de oportunidade com contribuição marginal”. Esses casos ainda são suportados por incentivos fiscais e tributários no país comprador e exportador, além dos efeitos de variação cambial que incidem diferentemente em cada país e acentuam-se quando a montadora possui operações nos dois países, permitindo compensações bilaterais. Trata-se de gestão econômica corporativa. Essa análise é complexa e requer conhecimento das operações e de finanças. É leviano afirmar, simplesmente, que as montadoras vendem mais barato para o exterior e aumentam o preço no mercado interno; demonstra desconhecimento de gestão e finanças corporativas. Isso é o mesmo que analisar uma matéria de jornal, apenas pela manchete.

É por isso tudo que o carro custa tão caro no Brasil e não se muda essa matriz de custos, ineficiência e cadeia de impostos “sobrepostos”, da noite para o dia.

Os preços dos carros subiram mais que a inflação nos últimos anos.

Sim, isso é verdade e as montadoras aproveitaram para recuperar o atraso em lucratividade, apoiadas na conveniente falta de semicondutores. As concessionárias não vendiam carros com preço cheio e até com ágio, desde 1987. Tudo é cíclico e, no próximo ano, veremos novamente os descontos e promoções no varejo. Concessionário de automóveis que não ganhou dinheiro em 2021 e 2022, é melhor repensar…

Ao longo dos anos as montadoras, por várias vezes, perderam muito dinheiro no Brasil. É importante lembrar que essas empresas não são entidades beneficentes, estão aqui para lucrar e a decisão de investir no Brasil não é tomada porque temos caipirinha e as mais belas praias do mundo. Busca-se o tamanho do mercado local e regional e em seguida, a estabilidade e as projeções econômicas para o país e para toda a região. A instabilidade e a falta de previsibilidade exigem “spread” de risco na operação e o gestor que não observar isso coloca sua cabeça “a prêmio”.

O retorno esperado para investimentos no Brasil – quer os críticos concordem ou não – precisa ser maior que as taxas em países estáveis e menos arriscados, principalmente porque aqui o custo do capital chega a ser duas ou três vezes mais elevado. Não há fórmula milagrosa e a justificativa para a decisão só poderá vir da saudável relação “margem x volume/custo”, pois o lucro é decorrente de um bom processo de gestão e isso é uma outra discussão.

Qualquer negócio estruturado de prestação de serviços no país possui margem de lucro muito maior do que as praticadas pela indústria automobilística. Bancos, farmacêuticas, padarias, restaurantes, indústria de bebidas, indústria do entretenimento, publicidade, concessões públicas, todos possuem margens muito mais elevadas do que as montadoras, mas atacá-los não gera comoção nacional, talvez porque um carro novo seja o maior objeto de desejo das pessoas, maior até que o sonho da casa própria.

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