A falácia de que baterias duram tanto quanto um carro cai por terra com a ajuda da CATL

Estratégia Automotiva, Mobilidade Sustentável, Outros assuntos

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A maior fabricante de baterias de íons de lítio do mundo anunciou um produto que dura até 15 anos. Você compraria um carro que durasse tão pouco?

Talvez nós sempre tenhamos vivido em meio às guerras de narrativas, mas isso nunca ficou tão evidente quanto agora. Serve para guerras, saúde, e, no caso que quero analisar aqui, a indústria automotiva. Tem quem combata o automóvel e o transporte individual como os maiores vilões do aquecimento global, quando há evidências inegáveis de que eles respondem por uma fração pequena do problema. Tem quem diga que carros elétricos são menos sujeitos a incêndios que os movidos a combustíveis, mas nunca vi uma comparação realmente justa sobre o tema. Finalmente, tem quem jure que as baterias de um carro elétrico vão durar tanto quanto ele, mas até o maior fabricante de baterias de íons de lítio do mundo já negou isso, ainda que indiretamente.

Na feira IAA Transportation 2024, a CATL anunciou um novo produto que duraria até 15 anos. Chamado de TECTRANS, ele tem dois tipos principais de baterias. As T Superfast Charging Edition podem recuperar 70% de carga em 15 minutos. As T Long Life Edition prometem uma “excepcional durabilidade de até 15 anos” ou 2,8 milhões de quilômetros. A empresa falou que isso representa um “novo benchmark da indústria”, o que significa que os concorrentes terão de ser capazes de oferecer algo que dure tanto quanto esse novo pacote de baterias. Repito: 15 anos, na melhor das hipóteses. Você compraria um carro que tivesse esse prazo de validade?

Um automóvel com motor a combustão dura o tempo que seu motor e transmissão aguentarem ou enquanto conseguir escapar de uma batida séria. A regra é que ele morre quando não compensar mais consertá-lo. Carros elétricos vão sobreviver tanto quanto seus pacotes de baterias permitirem. E o melhor deles até agora, nas palavras da CATL, não vai aguentar mais de 15 anos ou 2,8 milhões de quilômetros, com a ressalva de que a quilometragem é o máximo que esses 15 anos podem permitir. Se rodar 5 km por semana, vai ter um carro de 15 anos com 3.900 km no hodômetro que não compensa mais consertar.

Baterias têm prazo de validade. Vale para a Duracell que você compra no mercado, para a bateria de 12V que está no seu automóvel e para os pacotes de baterias de alta voltagem responsáveis pela tração de um modelo elétrico. Os três Tesla Roadster encontrados em contêineres no porto de Xangai em 2023 são a maior prova disso. Se fossem movidos por motores a combustão, você trocaria alguns componentes (inclusive a bateria) e teria carros prontos a rodar de novo. No caso dos Roadsters, eles ficaram parados por 13 anos, tempo suficiente para seus pacotes de baterias morrerem. Viraram enormes pesos de papel em cerca de dois anos porque a química de suas baterias se degradou nesse intervalo relativamente curto. Embora todo o resto dos veículos estivesse em bom estado, os pacotes de bateria custam US$ 40 mil a unidade. O bilionário que os comprou tem grana mais do que suficiente para colocar os três para rodar novamente, mas preferiu deixá-los como estão, em um museu. Quem compra um automóvel preocupado com a revenda não pode se dar a esse luxo. E os elétricos têm sofrido um bocado com a perda de valor no mundo todo.

Tem quem queira mudar essa realidade promovendo estudos estapafúrdios que garantem que as baterias duram o tempo que o carro tiver de sobreviver. O último, cuja fonte nem vou citar, diz que elas duram 20 anos porque têm uma degradação anual constante de 1,8%. Os mesmos caras divulgaram um estudo em 2019 que mostrava uma degradação média anual de 2,3%. Com isso, as baterias duravam só 16 anos. Quem quer promover os elétricos vai dizer que isso é uma ótima notícia, já que a degradação caiu nos últimos 5 anos. Mas a realidade é que o estudo é falho e a conclusão não se sustenta.

Para começar, degradação é o desgaste natural da bateria, em que os componentes químicos que ela usa para armazenar energia vão sofrendo reações secundárias que os inutilizam para a função a que se destinam. O estudo não mede a formação de dendritos, que são a principal causa de morte dessas baterias. Morte e fogo, já esses espinhos metálicos causam curtos-circuitos e incêndios. Como as baterias são feitas com óxidos metálicos, elas liberam oxigênio, o que torna esses episódios dificílimos de controlar. Um Tesla Semi queimou por 15 horas e gastou mais de 189 mil litros de água para ser contido.

Essas situações não acontecem apenas por dendritos. Se um pacote de baterias sofrer uma pancada, também pode começar a pegar fogo. Pacotes com baterias de fosfato de ferro-lítio (LFP) são mais resistentes a isso, mas também andaram se incendiando na China. Por fim, a degradação não é uniforme. Ela também pode ser causada por desequilíbrios entre os módulos de baterias e até entre as próprias baterias dentro de um módulo.

Funciona assim: se uma bateria perde rendimento, por qualquer motivo, ela passa a carregar mais lentamente e a descarregar mais rápido. Esse comportamento influencia o das outras baterias do módulo ou do pacote todo. Por uma questão de segurança, os limites dessas baterias mais fracas são os que o pacote inteiro tem de seguir, sob pena de sobrecarregar uma bateria ruim. Com isso, as baterias boas ficam com carga a mais, que se perde em forma de calor. Isso também degrada as baterias que ainda estavam bem, num círculo vicioso que leva o pacote inteiro a falhar. É por isso que não é possível trocar módulos ou baterias que falham. Eles são simplesmente desativados (quando o conserto é bem-feito), virando peso morto no veículo e comprometendo a autonomia original.

É evidente que as baterias duram menos do que o restante do carro. A solução para isso são baterias que duram mais (50 em vez de 15 anos, por exemplo), ou que sejam concebidas para ser substituídas. A NIO podia ter estabelecido um padrão mundial, mas pisou na bola e fez algo que nem os próprios carros que ela fabrica podem todos usar, o que ficará evidente com sua submarca Firefly. Aos preços atuais das baterias, elas matarão os carros elétricos prematuramente. Essa é a discussão que deveríamos ter em vez de tentar enganar donos de carros elétricos que as baterias deles durarão tanto quanto os veículos.

Infelizmente, você nunca encontrará um elétrico abandonado em um celeiro que voltará a funcionar depois de 40 ou 50 anos parado. Como a bateria é o componente mais caro de um automóvel deste tipo, ela precisará ser trocada para o veículo voltar a funcionar. Não existe um padrão universal para as baterias. Isso exigiria que ela fosse reconstruída artesanalmente ou que o fabricante ainda fornecesse essas baterias ao carro, o que será muito improvável. O único homem a ter percorrido mais de 2 milhões de quilômetros com um elétrico (um Tesla Model S) foi Hansjörg von Gemmingen-Hornberg. Quando falei com ele pela última vez, ele havia trocado o pacote de baterias três vezes e o motor elétrico 13 vezes. Irv Gordon levou seu Volvo 1800 1966 a 5.246.875 km até morrer, em novembro de 2018. Seu carro continua a funcionar aos 58 anos. Isso, sim, é benchmark.

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