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Publicado em 18/08/2020

A importância de ser criada a Comissão Nacional de Descarbonização

As ações ambientais brasileiras têm que estar conectadas entre si para garantir eficácia e reconhecimento internacional.

Tão importante quanto manter a legislação automotiva é a sua introdução conjunta com uma abordagem holística de todos os programas visando o controle do aquecimento global. O PROCONVE não tem só o objetivo de regulamentar o atendimento das emissões de gases de escape no banco de provas ou em teste de campo. Ele também deve garantir que o efeito final no meio ambiente, tanto para o consumidor, que paga pelo veículo e pelo combustível, quanto para a política energética, sejam os planejados, sem desdobramentos negativos para a sociedade.

No caso de emissão de poluentes e eficiência energética, acompanhar a evolução e as rotas tecnológicas internacionais funcionou relativamente bem até os limites atualmente em vigor no Brasil, mas, para os próximos limites do PROCONVE L7 (2022) e L8 (2025) e do Rota 2030 em 2027, adequações mais profundas são necessárias. 

Isso porque, principalmente na Europa, as legislações e métodos de ensaio estão claramente direcionados à mudança da plataforma tecnológica focada em veículos elétricos e para evitar a utilização de dispositivos ilegais nos veículos leves com motor Diesel, os quais não são permitidos no Brasil, que ludibriaram a legislação causando um grande desgaste de imagem e credibilidade aos órgãos legisladores.

Além disso, há a necessidade de estabelecer procedimentos de ensaios que reproduzam, com mais exatidão, o que acontece com as emissões veiculares no uso normal no Brasil para aferir, inclusive, o nível de correlação com os resultados obtidos com os procedimentos em banco de provas brasileiro, diferente do europeu. 

Estes trabalhos precisam estar prontos rapidamente a fim de permitir que o desenvolvimento dos ajustes dos motores e dos veículos obtenha o benefício pretendido para o meio ambiente no prazo de aplicação da atual legislação. Fatores de correlação adotados sem base experimental local geram incertezas no atendimento dos limites, o que pode exigir novos desenvolvimentos de softwares e componentes, encarecendo os veículos e comprometendo a eficácia dos limites. 

Ainda pior, isso pode afetar as decisões de investimento das montadoras, levando-as a não considerar os veículos flexfuel híbridos como uma alternativa economicamente viável para a etapa L8, optando pela simples disponibilização de alternativas importadas de híbridos a gasolina, ou de veículos elétricos – que exigem infraestrutura de abastecimento não disponível e nem planejada no país – com preços muito acima dos automóveis mais comercializados no mercado local, impactando o programa nacional de biocombustíveis e comprometendo as metas e o timing da redução da emissão dos gases de efeito estufa.

No caso dos veículos pesados, a introdução do P8 não teria problemas técnicos, mas econômicos. Um veículo mais caro aumenta os desafios de comercialização e impacta as vendas em um primeiro momento. Seria muito mais efetivo, do ponto de vista ambiental, uma ação que garanta a emissão prevista na grande frota em circulação. Uma combinação do P8 com novas medidas de controle e uma atualização tecnológica possível nos veículos existentes seriam mais eficazes a curto e médio prazo. 

No caso da legislação de eficiência energética do Rota 2030 para os veículos leves e ensaios de dinamômetro para os pesados, os testes de consumo são baseados nos ensaios do PROCONVE, que utilizam o CO2 emitido pelo escapamento durante os testes para o cálculo do consumo de combustível, por meio das fórmulas químicas da combustão. Na Europa, esse CO2 é ainda relacionado com a produção total de gases de efeito estufa, o que não é uma análise completa, pois só é considerada a fase final – do tanque-à-roda – de produção só do CO2 e não de todos os gases com efeito estufa.

A própria utilização do CO2 para o cálculo do consumo não funciona com combustíveis que, ao gerar energia, não emitem CO2, por exemplo, o hidrogênio e a eletricidade. Portanto, este método apresenta problemas tanto como medida da eficiência energética quanto para avaliar a contribuição nas emissões de gases de efeito estufa.

O programa Rota 2030 foi construído de forma correta ao utilizar a unidade da quantidade de energia – o Joule, ou o Mega Joule (MJ) – gasta para um veículo percorrer a distância de um quilômetro (km), de forma que, qualquer que seja o combustível utilizado, o efeito final de eficiência é comparado na mesma base: MJ/km.

Se o objetivo de uma legislação é a avaliação da emissão de gases de efeito estufa, ela precisa considerar toda a produção de CO2 e dos outros gases, como o metano (CH4) e os compostos nitrogenados, em todos os elos da cadeia do processo, incluindo, além do chamado poço-à-roda, as fases anteriores e posteriores, ou seja, desde os insumos da indústria até a produção do veículo, seu uso e descarte final. Esta é a chamada Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), fundamental para o estudo da sustentabilidade ambiental e que extrapola a competência de um programa de eficiência energética, ou de emissões de gases de escape ou de combustíveis renováveis individualmente.

A inclusão da medição do CO2 do ciclo de vida completo (ACV) veicular deve ser feita por meio de uma coordenação específica, integrando o PROCONVE com o Rota 2030 e com o RenovaBio em um programa que contemple todos os setores da economia, como merece a commodity mais importante do século 21, o crédito de carbono, um assunto de estado.

A exemplo do trabalho da bem sucedida Comissão Nacional de Energia, hoje Conselho Nacional de Política Energética, uma Comissão Nacional de Descarbonização, multiministerial e com representantes da sociedade civil, deve estabelecer as políticas, as metas e os prazos e garantir a execução de um programa nacional de descarbonização, considerando o combate ao aquecimento global.

A necessidade de uma abordagem completa e integrada como essa já foi identificada no mundo inteiro e, mesmo com estudos avançados, sua adoção tem sido postergada devido a interesses diversos, mas, principalmente, por não se contar com fontes de energia com baixa pegada de carbono em volume suficiente. O Brasil, ao contrário, dispõe de 45% de energia renovável, como a elétrica hidro-solar-eólica e as derivadas de biomassa, que são muito importantes, pois todas as alternativas em conjunto, aplicadas na medida e combinação adequadas, garantirão uma vanguarda mundial em termos de rapidez e eficácia para a produção de resultados, sem depender de investimentos vultuosos de longa maturação. 

Com esta medida, o Brasil pode dar um passo inédito e inovador, que, além de tornar justa e imparcial as análises de emissões de gases de efeito estufa entre as várias alternativas, fornecerá as análises adequadas para escolher as ações ambientais mais efetivas e as rotas tecnológicas futuras, com resultados fundamentados cientificamente, permitindo defendê-los internacionalmente, melhorando a imagem do país neste tema de importância capital para o desenvolvimento e atração de investimentos. 

Ricardo Abreu
Bright Consulting

 

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