AUTOMOTIVERESTART

A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 29/09/2020

Descomplicando o Futuro da Mobilidade Sustentável: Tecnologias, Legislações e Combustíveis

É preciso garantir uma rota tecnológica viável do ponto de vista local, com potencial regional, mas sem perder a rota global a longo prazo

A engenharia brasileira vem demonstrando sua capacidade de encontrar soluções inovadoras, dentro do melhor balanço das condições geográficas, sócio-econômicas, unindo a indústria à atividade agrícola. Desde a década de 70, com o desenvolvimento do programa Proálcool, o álcool etílico atuou como alternativa ao petróleo, até o surgimento dos veículos com motores flex, capazes de rodar com gasolina (E22-E27) e etanol (E100) em qualquer mistura, como alternativa à volatilidade dos preços. Nos dias atuais, o etanol vem contribuindo para a melhora na qualidade do ar e se apresenta como uma solução para a redução da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) em conjunto com a evolução tecnológica.

A indústria mundial vem evoluindo na redução das emissões dos gases nocivos a saúde (HC, CO, NOx etc), a ponto de chegar a níveis insignificantes (ou impacto zero em emissões), assim como na redução das emissões de CO2 (principal gás contribuidor dos GEE). Com isso, ganham relevância os bio-combustíveis e a eletrificação, acompanhada da evolução das baterias, pela sua capacidade de atender as rígidas exigências legislativas para a redução de emissões e CO2 no escapamento, considerado como parâmetro de eficiência energética.

A AVL estudou diversas rotas tecnológicas – considerando tores de competitividade, custos, investimentos, além dos efeitos causados pela pandemia da Covid-19 e as condições locais – com o objetivo de apresentar uma seleção de alternativas para as próximas demandas legislativas no Brasil:

A tabela 1 traz exemplos de possíveis pacotes tecnológicos com motores de combustão flex com foco na utilização eficiente do etanol. Do pacote tecnológico #1 ao #4, tem-se um crescente uso de recursos e tecnologias agregadas para cumprir principalmente as futuras legislações de emissões Pronconve PL7 e PL8, bem como metas de eficiência energética do Rota 2030, incluindo a introdução de ensaios RDE (Real Drive Emission – emissão real em condições de uso), que passarão a ser exigidos no Brasil e já fazem parte das principais legislações mundiais.

Do tradicional motor de injeção indireta (PFI) — ainda capaz de atender a primeira fase do PL8 –, aos arranjos mais aprimorados, o leque de tecnologias para motores é extenso e flexível.

Conjuntamente aos pacotes direcionados ao motor de combustão interna, existem caminhos da eletrificação do sistema de propulsão ramificando-se em níveis distintos:

i) Veículo híbrido não plug-in, como o chamado micro híbrido (P0 MHEV), que apresenta eletrificação de alguns componentes do motor a combustão, como o compressor de ar condicionado e o BSG (Belt Starter Generator), capaz de substituir o motor de partida do veículo e elevar o torque em condições de baixa rotação, além do carregamento da bateria pelo processo de frenagem; os veículos micro híbridos (P0-P4 MHEV), com a introdução de um motor elétrico ao eixo de tração do veículo, desacoplado do motor a combustão; os veículos híbridos (HEV), em que o motor elétrico e o motor a combustão podem trabalhar em série, e a bateria pode ser recarregada pelo motor a combustão, além do processo de frenagem;
ii) veículo híbrido plug-in (PHEV): permite o carregamento da bateria não só pelo motor a combustão interna, mas também por meio de uma rede elétrica externa, onde o pacote de bateria estipula a autonomia elétrica desejada como 15km ou 50km (PHEV 15 e PHEV 50), por exemplo;
iii) veículo elétrico a bateria (BEV), que consiste na substituição completa do motor a combustão interna por um motor elétrico associado a um pacote de baterias, que alimenta o motor com autonomia dependente da capacidade da bateria, por exemplo 330km (BEV 330).

A definição da solução ideal para cada veículo pode ser feita com base em dois fatores: o custo de cada tecnologia e a eficiência energética entregue por elas (consequentemente sua redução na emissão de CO2). Porém, com o objetivo de expandir a avaliação do impacto e do custo das soluções, propomos no gráfico a seguir a comparação das tecnologias em relação ao custo por tonelada de CO2 não emitido (USD/tonCO2ne). Para isso, foi necessário determinar as emissões do ciclo de vida completo (CtG gCO2) de cada tecnologia, ou seja, contabilizamos, além das emissões do veículo em si, as emissões relativas ao ciclo produtivo do combustível, ao processo produtivo do veículo, considerando a reutilização/reciclagem de parte dos materiais que compõe os sistemas. A combinação desses três processos resultará na não-emissão durante o ciclo de vida do produto, apresentado no eixo vertical. Já no eixo horizontal propomos a emissão de CO2 não reciclável, quando considerado do poço-à-roda em gCO2/km, ou seja, a emissão total relativa a cada combustível em seu ciclo produtivo. Utilizamos na análise um veículo de referência para efeito de comparação das tecnologias:

É notável o agrupamento das aplicações a etanol na região de menor emissão de CO2 não reciclável e com menor impacto relativo em custo. Os principais fatores associados a esse relativo baixo impacto em custo são: a) absorção de CO2 durante o ciclo de produção (cultivo da cana de açúcar) do etanol, reduzindo drasticamente as emissões totais no ciclo de vida do veículo; b) baixo custo de desenvolvimento e adequação à operação com etanol; c) disponibilidade local para desenvolvimento de soluções tecnológicas automotivas; d) elevado custo associado às tecnologias alternativas; e) maior nível de emissões do poço-à-roda associado às tecnologias alternativas.

Soluções alternativas como hibridização (P0/P4 MHEV, HEV e PHEV) apresentam grande potencial de redução das emissões de CO2, que é ampliado, quando combinado à tecnologia flex. A ainda baixa viabilidade econômica associada a H2 FCEV (veículos elétricos a células de hidrogênio), devido aos atuais custos de produção de H2 e custo tecnológico elevado, abre oportunidade para uma solução alternativa a ser analisada futuramente: a célula de combustível por óxido sólido (SOFC). Tal célula pode utilizar etanol como combustível e se beneficiar da reduzida emissão de GEE associada a esse biocombustível.

O uso da tecnologia a etanol possui alternativas vantajosas, como a combinação da eletrificação, a exemplo dos veículos P0/P4 MHEV e HEV, que têm uma grande vantagem econômica relativa, comparados a veículos unicamente com motores a combustão. Apresenta vantagem também em relação a veículos híbridos P0 MHEV e PHEV, ou seja, indicam uma rota tecnológica interessante e potencial a ser seguida.

O programa Rota 2030, embora não se baseie na métrica de emissões de CO2 do poço-à-roda (já em estudo para ser aplicado nas próximas legislações européias), mas, sim, nas emissões de CO2 do tanque-à-roda, torna inegável a necessidade da evolução da tecnologia  (associadas aos pacotes #1 ao #4 citados na tabela 1 para os motores de combustão interna e a eletrificação) para atingir as metas de eficiência energética em MJ/km e de CO2/km quando medido do tanque-a-roda como indicativo do consumo de combustível.

Para os desafios das próximas legislações no Brazil (PL7, PL8 e Rota 2030), diversas soluções podem ser combinadas de forma a compor um portfólio competitivo. Até mesmo o tradicional motor PFI poderá ser mantido como um propulsor de baixo custo para os veículos de maior volume, mantendo, assim, acessibilidade financeira do consumidor. Outras tecnologias, como o motor turbo (boosting) com injeção direta (DI) e veículos híbridos, compõem as demais parcelas do portfólio para veículos de preço mais elevado.

Em toda e qualquer previsão mundial de tecnologia para os próximos 20 anos os motores a combustão — associados a eletrificação (híbridos) ou não –, aparecem ainda com mais de 50% de participação de mercado, ou seja, o seu desenvolvimento tecnológico continuará em expansão e contribuindo para a direção de impacto zero em emissões e redução de CO2.  A adoção das novas tecnologias deve ocorrer em função de políticas públicas, comportamento social e perfil de consumo, além dos ciclos de uso e carga. Assim, devemos assistir o crescimento dos veículos elétricos a bateria primeiro nos centros urbanos. Veículos híbridos e os plug-in, atendendo necessidades de aumento de eficiência energética e maior autonomia e potencial aumento de uso de células de combustível a hidrogênio para veículos pesados, tanto para transporte de cargas como de passageiros, pela sua capacidade de oferecer autonomia adequada ao uso.

O Brasil dispõe do etanol e o veículo flex oferece uma rota local mais descomplicada e uma grande vantagem competitiva como solução de curto, médio e longo prazo para a mobilidade eficiente e renovável. As tecnologias estão disponíveis e são capazes de atender aos desafios legislativos com competitividade econômica e dependem de decisões assertivas em incentivos e investimentos para manter o consumidor abastecido com as melhores opções em relação a custo e benefício. Por isso, deixamos explícito aqui nossa visão para auxiliar o processo decisório das empresas, entidades, governo e todos envolvidos na jornada de redução de emissão de gases poluentes, aumento da eficiência energética e competitividade da indústria brasileira.

Eugenio Pacelli Dantas Coelho | Thomas Stefan Güntert 

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