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A nova ordem do setor automotivo pós Covid-19

Publicado em 22/09/2020

Inventário de emissões, consumo e CO2

A pandemia deve exigir mudanças na mobilidade e provocar a reanálise do inventário de emissões e a adequação dos programas de desenvolvimento tecnológicos e ambientais

O Brasil tem três programas fundamentais para o desenvolvimento tecnológico do setor automotivo: o PROCONVE (iniciado em 1988), para o controle da poluição do ar, o ROTA 2030 (iniciado em 2018), voltado ao aumento da eficiência energética, e o RENOVABIO (lançado no final de 2016), que visa equilibrar a matriz de combustíveis, aumentando a participação de combustíveis renováveis, com o objetivo de reduzir a emissão de gases de efeito estufa e a -independência do petróleo. Esses três programas têm como alvo principal fomentar o desenvolvimento de maneira sustentável, aproveitando as peculiaridades do país e incrementando nossa independência tecnológica. A mudança de hábitos da sociedade proveniente da crise da Covid-19 pode ensejar revisão desses programas, visando a sua atualização para uma nova otimização de suas metas e dos recursos necessários à sua realização. Para isso, convém recordar, a seguir, as suas bases atuais.

A fase L7 do PROCONVE – 7ª fase de controle da emissão dos veículos leves – prevê uma nova e severa abordagem para o controle de Compostos Orgânicos Voláteis (COV), que correspondem, na sua maioria, às emissões por evaporação de combustível devido à variação diurna da temperatura ambiente, ao resfriamento do veículo e à fuga de vapores durante o abastecimento. Também serão abordados o cômputo das emissões de escapamento como NMOG (compostos orgânicos, exceto metano) e a melhoria do OBD (sistema de autodiagnose dos veículos), a partir de 2022. Por sua vez, os novos limites das emissões da fase P8 – 8ª fase de controle da emissão dos veículos pesados – promoverão a redução de 80% de óxidos de nitrogênio (NOx) e 50% de material particulado (MP) pelo escapamento dos veículos pesados.

Desenhadas de acordo com as tendências históricas e estatísticas das últimas décadas, essas exigências promoverão uma redução de 96% das emissões totais de COV pela frota de veículos leves, que constituem a chave para a redução de pelo menos 50% nas concentrações de ozônio na atmosfera dos centros urbanos. Isso será suficiente para trazer tal poluente à conformidade com o padrão de qualidade do ar de 100ug/m3, meta mais rigorosa recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Esse importante ganho ambiental será acompanhado de reduções menores nas concentrações dos demais poluentes, porém garantindo níveis mais aceitáveis, próximos da conformidade com os padrões de qualidade do ar.

Já a fase L8, a ser implantada a partir de 2025, progressivamente até 2031 com reduções ainda mais expressivas da emissão de NMOG pelos veículos leves, ainda depende de procedimentos operacionais em desenvolvimento, com definições complementares, como, por exemplo, o ensaio de emissões em trânsito real (RDE), a ser correlacionado com os procedimentos de teste brasileiros e adaptados aos nossos combustíveis.

Todas essas estratégias, entretanto, devem sempre ser baseadas no inventário de emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa (GEE). Nesse sentido, um aspecto muito importante é enveredar esforço também na uniformização de conceitos entre os três programas para que suas interfaces sejam coerentes e produzam os melhores resultados e orientações estratégicas. Este é o caso da abordagem das estimativas de emissões “do poço à roda”, para que os efeitos de uma determinada estratégia sejam avaliados em todos os segmentos, da sua influência direta e indireta, e não tenha conflitos atenuantes. Um exemplo típico é a opção pelo carro elétrico, visto frequentemente como de “emissão zero”, mas que induz a emissão de poluentes se a geração de energia elétrica não for limpa ou renovável.

O inventário de emissões é uma das mais úteis e objetivas ferramentas de planejamento e diagnóstico ambiental para a elaboração de estudos e projeções de emissão de poluentes. São, portanto, ferramentas essenciais para a avaliação das tendências de evolução de impactos ambientais e para definição de estratégias que as modifiquem e sejam dimensionadas de maneira previsível e controlada. Os inventários se baseiam no conhecimento acurado das estatísticas de cada característica da frota de veículos. O grau de detalhe das informações disponíveis define a sua capacidade para classificar os diversos segmentos e priorizar as estratégias aplicáveis a cada um.

A Covid-19 produziu benefícios muito significativos na qualidade do ar dos grandes centros urbanos durante a quarentena[i][ii], que serão perdidos imediatamente após o controle da pandemia, retornando as emissões aos níveis anteriores, como já ocorreu na China[iii]. Mas é possível e provável que algumas mudanças importantes nas demandas de transporte permaneçam. O home office veio para ficar com ganhos de produtividade e custo, inclusive por reduzir o stress, eliminar perdas de tempo e aumentar o conforto. Isso reduz a demanda de automóveis, o consumo de combustível e as emissões de poluentes locais e globais. Poderá haver maior demanda por transporte coletivo, se este receber a atenção que merece. A necessidade de transporte para abastecimento de bens e serviços permanece a mesma, mantendo a demanda por caminhões e com acréscimo nas entregas em domicílio que intensificam o transporte por motos. Haverá, portanto, um mecanismo de compensação, ao menos em parte, desconhecido quantitativamente. Entender esse novo equilíbrio é a chave para a definição dos programas necessários à “saída da crise” com a retomada do crescimento em novas bases, mantendo o controle ambiental.

Deve-se lembrar, ainda, que a percepção da sociedade de que a ausência dos veículos durante o período de isolamento resultou numa atmosfera sensivelmente mais limpa, tornou evidente que uma mudança tecnológica poderá trazer o mesmo resultado para a saúde pública e bem-estar da sociedade. Essa percepção deve exercer pressão cada vez maior no sentido de exigir dos legisladores e das montadoras a produção de veículos mais limpos. Portanto, é necessário manter as metas ambientais já estabelecidas e um esforço extra para que o país fortaleça suas posições no mercado e conquiste maior independência de importações sem atrasar os investimentos na indústria, pelo contrário, otimizando-os. É um desafio e tanto, porém, trata-se de um desafio crucial para o sucesso e a retomada do crescimento – desejado e necessário –, aproveitando a oportunidade de utilizar as mudanças para minimizar os impactos adversos ao meio ambiente e à saúde pública.

Tal perspectiva enseja uma reavaliação das exigências previstas, especialmente as aplicáveis aos segmentos que terão uso intensificado, como o de entregas comerciais em domicílio, bem como para aproveitar o desafio da crise, a fim de fazer a passagem de transformação para o desenvolvimento socioambiental, ao seguir as melhores práticas de governos no exterior e ao posicionar o Brasil em patamares tecnológicos mais avançados.

No caso do PROCONVE, a oportunidade deve ser aproveitada, a fim de se obter o melhor ganho ambiental possível para que a qualidade do ar, ora atingida pela redução forçada das atividades da sociedade, seja mantida definitivamente.

No caso do ROTA 2030, a busca por tecnologias mais eficientes para a economia de combustíveis é o tema central, que também influi na redução da emissão de CO2. A revisão de suas metas atuais também poderá acelerar a implantação de tecnologias de última geração para a maior eficiência do país. Nesse sentido, a abordagem dos veículos pesados e motocicletas é imprescindível.

Propõe-se, portanto, rever as estatísticas tradicionais, ajustando-as à nova realidade e atualizar os inventários de emissões, regulamentados ou não, e da demanda de combustíveis. Com isso, definir a nova ordem de prioridades para atualizar as estratégias estabelecidas, a partir das previsões acima que mantenham as metas ambientais, de eficiência energética e de evolução tecnológica da indústria nacional e a capacitação da engenharia brasileira, assegurando a conformidade da qualidade do ar com os padrões estabelecidos para resguardar a saúde pública.

Esse ajuste de foco tem de considerar a composição da frota de veículos, a intensidade de uso e a vida útil de cada categoria por tipo e idade dos veículos, as tecnologias empregadas e seus fatores de emissão, o estado de manutenção e suas interdependências. A situação econômica e esses parâmetros alterarão a taxa de sucateamento, vida útil e a quilometragem anual da frota, que degradam os fatores de emissão, o consumo de combustível e as emissões totais.

A urgência de se criar modelos e de comprovar sua qualidade não pode prescindir de verificações cruzadas, tais como emissões e consumo de combustível, visto que as estatísticas de vendas de combustível são mais precisas e permitem rápidas verificações de consistência e avaliações regionais. Complementarmente, o método de medição das emissões dos veículos em uso real — pelos modernos equipamentos de sensoriamento remoto — apresenta-se como a ferramenta mais rápida, de menor custo, com capacidade de avaliar e identificar mais de mil veículos por hora e de associar a maioria dos parâmetros mencionados acima a partir da medição direta das emissões por unidade de energia consumida a um custo bem menor.

A chave do sucesso é a capacitação da engenharia brasileira para que ela seja capaz de criar cenários nacionais e modelos que os representem, gerando políticas sustentáveis, e não simplesmente adotar situações internacionais diversas da realidade local.

Fábio Cardinale Branco
Gabriel Murgel Branco

Referências Bibliográficas

1- Coronavirus pandemic leading to huge drop in air pollution – https://www.theguardian.com/environment/2020/mar/23/coronavirus-pandemic-leading-to-huge-drop-in-air-pollution 

2- University of Leicester – Impact of coronavirus pandemic is the “largest scale experiment ever” into global air quality – https://le.ac.uk/news/2020/march/24-largest-experiment 

3-  www.jornalnorthnews.com/noticia/4451/com-o-fim-do-isolamento-na-asia-qualidade-do-ar-piora-e-transito-volta-as-ruas  

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