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Publicado em 24/06/2021

O Combustível do Futuro que muda o passado

De que forma a disponibilidade de combustíveis mais modernos pode beneficiar toda a frota circulante e reduzir os gases de efeito estufa

O programa “Combustível do Futuro” inova pela abordagem integrada das 3 dimensões da sustentabilidade – ambiental, social e econômica – valorizando os potenciais nacionais na busca da mobilidade de baixo carbono. Tarefa urgente, o controle do aquecimento global assume papel preponderante, sem relegar a um segundo plano outras ações importantes já em curso, como os programas de eficiência energética, o Rota 2030, o de controle de emissões veiculares, o Proconve, entre outros, e busca formas de integrá-los, potencializando seus benefícios para a sociedade.

Um efeito importante, não explícito no despacho da criação do programa, é a característica de possibilitar reduções imediatas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na frota circulante e não ter que aguardar a renovação dos veículos para que as medidas tenham efeito. Em várias ações de divulgação e esclarecimento à sociedade, os responsáveis pelo programa pautam a revisão das especificações dos combustíveis dos motores do ciclo Otto, posicionando-os na categoria de combustíveis de alta octanagem. Tendência mundial, os combustíveis de alta octanagem (HOF – High Octane Fuels) são essenciais para melhorar a eficiência dos motores, reduzindo a emissão específica de GEE. Essencialmente, uma maior octanagem permite comprimir mais a mistura dentro do cilindro antes de queimá-la, potencializando o poder da explosão e o rendimento térmico do motor. Isso é o que se chama de aumentar a relação de compressão. Melhor ainda é utilizar o etanol como agente de melhora da octanagem do combustível fóssil, reduzindo a emissão de GEE adicionalmente via a utilização de um renovável de baixo carbono.

A octanagem dos combustíveis é medida por dois métodos similares, mas com características de ensaio que fazem com que representem melhor ou motores modernos com injeção direta dentro ou na válvula de entrada de cada cilindro (método RON), ou os motores mais antigos, grandes, que usam carburadores ou um injetor único longe dos cilindros, fazendo com que o combustível seja pré-vaporizado (método MON). Normalmente, as tecnologias de injeção aparecem como complemento no nome dos modelos de veículos. DI é a designação usada para a injeção direta, MPI para a injeção individual na válvula de admissão. É fácil notar, em uma rápida verificação nas ruas brasileiras, que os motores de veículos mais novos são sempre MPI ou DI.

A melhora da resistência à detonação desses novos combustíveis pode reduzir o consumo não só de veículos que vierem a ser desenvolvidos para o seu uso, mas, também no uso diário de motores já em circulação, com efeito imediato na redução dos GEE. Isso porque a definição da relação de compressão e o ajuste dos motores e dos veículos são feitos em bancos de provas com condições de pressão, temperatura e forma de condução conforme ciclos padrões, utilizando um combustível de referência.

No dia a dia, estas condições podem variar muito, principalmente em um país tropical, com vias íngremes, hábitos de condução mais agressivos e alterações no combustível, o que faz com que a calibração padrão tenha que ser corrigida para proteger o motor. Os motores modernos utilizam sensores de pressão, temperatura, mistura e sensores de detonação, que detectam o momento em que a combustão se torna mais áspera, devido a uma combustão detonante, que pode chegar destruir o motor, mudando o ponto de ignição, isto é, o momento em que a centelha salta na vela de ignição iniciando a combustão, ajustando-o para ocorrer mais tarde, em um ponto que evita esta condição.

No entanto, atrasar a ignição provoca aumento no consumo. Então, o mesmo sensor de detonação é utilizado para avançar a ignição sempre dentro do possível, parando antes que ocorra a detonação, em um procedimento conhecido como “avanço de centelha limitado pela detonação”, KLSA em inglês. Isso permite otimizar o consumo.

O sensor de detonação é usado em cerca de 80% dos veículos leves da frota nacional. Todos os motores a gasolina modernos e os motores flex contam com este dispositivo, já que o uso de diferentes composições de combustível de gasolina a etanol e suas misturas exige uma correção ativa do ponto de ignição.

Hoje, a octanagem da gasolina C (E27) de 92RON é menor do que a do etanol hidratado (E100) de cerca de 110 RON. Para possibilitar o funcionamento com ambos, a relação de compressão e outros parâmetros são escolhidos no limite para o uso de gasolina, tornando-se mais sensível às mudanças das condições de operação no campo com gasolina, fazendo com que o autocontrole da ignição atue, atrasando o “ponto” do motor e elevando o consumo. O aumento da octanagem da gasolina do programa Combustível do Futuro para em torno de 100 RON reduzirá a frequência desse ajuste, favorecendo a eficiência energética com gasolina.

Uma pesquisa realizada pela Shell na Inglaterra (SAE 2017-01-0810) testou 20 modelos a gasolina mais representativos da frota circulante lá, muitos dos quais são utilizados no Brasil, com gasolinas com octanagem variando de 91 RON, para a qual foram projetados, até 98 RON. No campo, 90% reagiram positivamente ao aumento da octanagem. Na comparação 98 RON versus 91 RON, o ganho no tempo de aceleração foi de 2,07% e o aumento no rendimento energético na rotação constante de 2.500 rpm foi de 2,83%.

Nos novos motores flex, o aumento da octanagem da gasolina permitirá aumentar a relação de compressão, trazendo ganhos da ordem de 6 a 8% no veículo, se este for adequado para aproveitar o maior torque em rotações mais baixas do motor. No caso de veículos híbridos funcionando em regime constante no ponto ótimo, essa melhora pode ultrapassar 10%.

Várias pesquisas mostram que combustíveis de alta octanagem utilizando etanol são literalmente o combustível do futuro; além de substituir hidrocarbonetos aromáticos caros e danosos à saúde utilizados para melhorar a octanagem e reduzir a emissão de GGE da frota circulante, ele é particularmente interessante para motores turbinados de injeção direta, a grande tendência futura, reduzindo muito as emissões de material particulado e aumentando a eficiência. Com um tratamento de gases de escape adequado, esses veículos podem atingir a categoria de impacto zero em emissões de poluentes, permitindo que os motores de combustão sejam viáveis para o atendimento de futuras legislações mais severas, desde que elas sejam racionais e não direcionadas para permitirem uma só tecnologia. O meio-ambiente é um só e é do melhor balanço de todas as alternativas que se obtém o melhor resultado.

A mesma análise poderia ser feita para outros energéticos, como o biogás e o gás natural. O uso de misturas de combustíveis renováveis com as reservas brasileiras de combustíveis fósseis permitirá uma redução antecipada das emissões de CO2 no transporte, enquanto outras alternativas se desenvolvem com a segurança energética e os investimentos necessários, que, com ações integradas com os outros programas citados no início, permitirão uma rota nacional rumo à sustentabilidade com governança e preocupada com o social.

Ricardo Abreu
Bright Consulting

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