Maioria dos carros elétricos à venda atualmente dá prejuízo

Estratégia Automotiva, Mercado, vendas e preços

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Os atuais veículos a bateria servem na composição de
portfólio das montadoras para que estas alcancem suas metas
de emissão e eficiência energética

Existem termos em inglês que até têm tradução, mas, por uma questão de uso, acabam por se tornar anglicismos fortes e difíceis de evitar. Compliance car é um exemplo excelente. Os “carros de conformidade” foram e são produzidos apenas para que um fabricante atenda às legislações vigentes, normalmente sobre emissões. A Califórnia, com leis bastante duras sobre isso, viu dezenas de modelos deste tipo. Um deles foi o Fiat 500e. Como comentei em um texto recente que escrevi para o site autoevolution, Sergio Marchionne pediu aos clientes da então FCA que não o comprassem porque ele tinha um prejuízo de US$ 14 mil a cada vez que alguém o fazia. Isso foi em 2014. Marchionne morreu em 2018. Se estivesse vivo, ele talvez endossasse o que este artigo quis expor: a maioria dos carros elétricos à venda hoje são “compliance cars” por uma razão muito simples – eles não dão lucros.

A Rivian perdeu US$ 33 mil a cada veículo que vendeu no segundo trimestre de 2024. A Lucid perdeu quase US$ 270 mil por unidade no mesmo período. É um mar de dinheiro descendo pelo ralo, mas estamos falando de duas startups (outro anglicismo). Isso talvez desse esperança aos defensores de elétricos de que empresas mais tradicionais não teriam o mesmo problema, conhecedoras que são de como ganhar dinheiro vendendo veículos, como Alfred P. Sloan apregoava. E é aí que eles estariam redondamente enganados.

A Ford disse que já sangrou US$ 2,5 bilhões com sua divisão de veículos elétricos só em 2024. Feitas as contas, isso dá US$ 50 mil por unidade, mais do que a Rivian perdeu vendendo seus produtos. Coincidência ou não, Song Liping, presidente da Associação Chinesa para Empresas de Capital Aberto (China Association for Public Companies, ou CAPCO), falou disso em um discurso. Segundo o executivo, as únicas fabricantes chinesas lucrativas de “veículos com novos sistemas de propulsão” (New Energy Vehicles, ou NEVs) são a BYD e a Li Auto. Ambas vendem mais híbridos plug-in do que modelos puramente elétricos, o que talvez explique o retorno financeiro.

Seja qual for o segredo, o que está mais do que evidente é que muito pouca gente consegue ganhar dinheiro vendendo carros elétricos. Para piorar, os fabricantes mais tradicionais talvez tenham vergonha de admitir que não acharam o caminho do dinheiro que a Tesla alega ter encontrado. A fabricante americana se gabava de um lucro imenso por unidade vendida, mas há uma série de problemas com essa teoria. Para começar, é preciso acreditar que ela é verdadeira.

A empresa teoricamente lucrou pouco mais de US$ 9.000 por unidade vendida no quarto trimestre de 2022. No trimestre seguinte, ela começou a dar descontos em seus carros. Em média, por unidade, ele foi de US$ 14.000. Pela lógica, ela deveria ter perdido US$ 5.000 por unidade se tivesse mantido a mesma margem de lucro. De um semestre para outro, é muito pouco provável que ela aumentasse essa margem em US$ 5.000. Pois a Tesla disse que, mesmo com os descontos, ainda teve um lucro de quase US$ 6.000 cada vez que vendeu um carro a um cliente. Não faz sentido, mas pouca gente questionou a mágica contábil. E ela continua a acontecer.

Se isso não fosse suficiente, a Tesla é conhecida por uma política de desenvolvimento apelidada de “entregue agora, conserte depois”. Quando foi vice-presidente de qualidade da empresa, Philippe Chain pediu a Elon Musk para testar o Model S por pelo menos 1 milhão de milhas (1,6 milhão de quilômetros). Isso já seria só um décimo do que fabricantes tradicionais usam para validar seus produtos. Chain ouviu que ele até poderia fazer isso, mas que os testes não atrasariam o lançamento do veículo. Alertado sobre o risco de problemas de segurança, o CEO da Tesla respondeu que eles seriam corrigidos depois. Pegou o motivo do apelido? Seria cômico se não fosse… você já sabe. 

Ao cortar caminho no desenvolvimento de seus veículos, a Tesla tem um custo menor de investimento para amortizar. Não é algo que empresas mais tradicionais poderiam se arriscar a fazer. Se a Tesla é mesmo lucrativa com veículos elétricos, pode ser pelos motivos errados. O fato de mais ninguém conseguir repetir a receita é revelador. Não é que ela seja impossível ou muito complexa: ela é temerária. Como é temerário que tantos fabricantes tenham embarcado na barca da eletrificação sem ter a certeza de que podiam vender qualquer modelo puramente elétrico com lucros.

Talvez seja a hora de todos eles admitirem que a tecnologia de baterias precisa evoluir para ser usada em automóveis. Os elétricos ainda levam muito tempo para carregar, as baterias ainda são muito pesadas e será preciso substituí-las se os carros tiverem de durar tanto quanto os modelos a combustão. A Samsung SDI recentemente se gabou de ter criado uma bateria que pode durar até 20 anos, o que significa que as atuais duram muito menos do que isso. Quando um pacote de baterias automotivo custa cerca de US$ 30 mil para um carro usado que com sorte igualará esse valor, qualquer um pode dizer como será um mercado de segunda mão para esses produtos. Ou como ele simplesmente deixará de fazer sentido quando eles forem a maioria.

Não há dúvidas de que o motor elétrico será o futuro da mobilidade. Ele é mais eficiente e simples do que os motores a combustão, que ainda têm a desvantagem de contar com um recurso finito (petróleo) e próximo de se esgotar para continuar rodando. Combustíveis sintéticos podem manter parte deles na estrada, mas não a frota atual (ou uma maior). Produzi-los demanda mais energia do que recarregar uma bateria ou produzir hidrogênio. O que ainda falta decidir é como alimentar os motores elétricos: com baterias ou células de combustível.

Para o elétrico a bateria firmar-se como o melhor, ele precisa de baterias melhores, mais seguras, mais leves e mais duráveis. Talvez substituíveis, como as que usamos em controles remotos e outros aparelhos. Para o elétrico com célula de combustível ser viável, é necessária uma rede de distribuição de hidrogênio, preços mais baixos pelo gás, e uma nova forma de usar essas células. A Riversimple propôs uma das mais inovadoras com sua motorização elétrica de rede. Ela usa supercapacitores em vez de baterias e uma célula de combustível pequena. A NamX, por sua vez, sugere garrafas de hidrogênio para reabastecer seus veículos. Isso mostra o quanto esse jogo está longe de ser definido. 

Quem quer que cante vitória para os veículos elétricos atuais a bateria precisa explicar como uma solução que não dá lucro a quase ninguém pode prevalecer. Eu não esperaria pela resposta nem no conforto de um bom sofá-cama. Enquanto eles forem só “compliance cars”, eles serão financeiramente insustentáveis.

 

Gustavo Ruffo 
Consultor de Mídia Internacional da Bright Consulting

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