Nos últimos anos, os painéis digitais e “media screens” — grandes telas sensíveis ao toque instaladas no console central dos automóveis — deixaram de ser um luxo reservado aos modelos premium para se tornarem uma característica quase onipresente em carros de todas as categorias. Essa tendência reflete a busca contínua da indústria automotiva por modernização, conectividade e integração com o estilo de vida digital dos usuários. Navegação por GPS, comandos de voz, streaming de música, integração com Android Auto e Apple CarPlay, e até funções avançadas de climatização são hoje acessados por essas interfaces.
Digitalização e a Nova Ergonomia Automotiva
A digitalização dos comandos veiculares trouxe mudanças profundas na ergonomia automotiva. Os botões físicos tradicionais foram, em grande parte, substituídos por menus navegáveis e áreas sensíveis ao toque. Em alguns veículos, como o Tesla Model 3 ou o Volkswagen ID.3, praticamente todas as funções — desde abrir o porta-luvas até ajustar os espelhos retrovisores — são acessadas via touchscreen. Embora esse tipo de interface favoreça um design mais limpo e minimalista, seu impacto na segurança e usabilidade é cada vez mais discutido por especialistas em engenharia automotiva e ergonomia.
Segurança em Xeque: a Atenção Desviada
A principal crítica é a exigência de atenção visual contínua para operar o sistema. Diferente de botões físicos, que permitem operação tátil, as telas exigem que o motorista desvie o olhar da estrada para verificar se está interagindo com a função correta. Segundo um estudo do Transport Research Laboratory (Reino Unido), motoristas que usam touchscreens demoram até 4 vezes mais para completar tarefas simples, em comparação com sistemas analógicos. Isso equivale a percorrer centenas de metros sem atenção à via, aumentando significativamente o risco de colisões — especialmente em situações urbanas de tráfego intenso.
Além disso, alguns fabricantes optam por incluir animações ou interfaces visuais complexas que tornam o uso ainda mais demorado e, portanto, perigoso. O excesso de informações visuais pode também causar sobrecarga cognitiva, comprometendo a tomada de decisão rápida ao volante.
Inclusão Digital e Envelhecimento Populacional
Outro fator crítico é o impacto da digitalização na experiência de motoristas mais velhos. Populações como a brasileira e a europeia estão envelhecendo, e muitos desses motoristas não cresceram em um ambiente digital. Para eles, a ausência de comandos táteis e a complexidade das interfaces representam não apenas um desconforto, mas um obstáculo à segurança.
Erros de navegação nos menus, dificuldade em ajustar o ar-condicionado ou mudar a estação de rádio são frequentes e podem causar distrações perigosas. Além disso, o tempo de resposta e os reflexos mais lentos tornam o uso dessas interfaces ainda mais desafiador. Em países como a Alemanha e o Japão, discussões sobre interfaces inclusivas já começaram a ganhar força entre legisladores e fabricantes.
Nova Regra da Euro NCAP: o Retorno dos Botões Físicos
Reconhecendo esses riscos, a Euro NCAP — órgão europeu de avaliação de segurança veicular — anunciou em março de 2025 uma mudança importante. A partir de 2026 para um carro obter a pontuação máxima de 5 estrelas nos testes de segurança, ele precisará incluir comandos físicos para pelo menos as seguintes funções: acionamento do pisca-alerta, limpador de para-brisa, desembaçador dianteiro e controle de temperatura.
Essa nova exigência estabelece um padrão mínimo de usabilidade tátil, reforçando que design e inovação não podem comprometer a operação instintiva e segura de sistemas críticos. A medida também pressiona montadoras a adotarem uma abordagem híbrida, que equilibre interfaces digitais com redundâncias físicas essenciais.
A Solução Criativa da Xiaomi: Botões Modulares
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa busca por equilíbrio é o carro SU7, da Xiaomi, que oferece um acessório inusitado: um módulo adicional com botões físicos personalizáveis. Esse pequeno acessório se encaixa no console central e permite ao motorista configurar atalhos para funções críticas, como ajuste de temperatura, controle de mídia ou acionamento do limpador de para-brisa.
A solução da Xiaomi representa uma abordagem inovadora e prática: preservar a estética e o foco digital da cabine, ao mesmo tempo em que fornece uma alternativa tátil para as principais funções. Trata-se de uma resposta direta às críticas de usabilidade e uma demonstração de como a indústria pode explorar soluções criativas sem comprometer segurança ou design.
Uma Nova Tendência de Design?
Alguns fabricantes já começaram a se adaptar. A BMW, por exemplo, manteve uma abordagem mais conservadora em modelos recentes, combinando telas digitais com botões e seletores físicos. A Toyota também opta por interfaces híbridas, especialmente em mercados com consumidores mais tradicionais. A tendência agora pode se inverter: em vez de eliminar completamente os botões, as marcas devem procurar reintroduzi-los de forma estratégica, garantindo segurança sem sacrificar a estética moderna.
Conclusão
A evolução tecnológica dos veículos é inevitável e desejável, mas não deve ignorar os fundamentos da segurança e da experiência do usuário. A integração dos media screens trouxe avanços importantes, mas revelou limitações que agora começam a ser enfrentadas com decisões regulatórias e reavaliações de projeto. A nova diretriz da Euro NCAP e soluções como o módulo de botões da Xiaomi representam marcos importantes: a reafirmação de que, mesmo na era digital, o tato, a intuição e a simplicidade continuam sendo aliados indispensáveis na busca por uma mobilidade mais segura e acessível para todos.