A eletromobilidade deixou de ser uma promessa distante e se tornou um movimento global em curso. No entanto, seu ritmo de avanço e as soluções mais adequadas variam significativamente de país para país. No Brasil, essa transição assume contornos próprios, moldados pela matriz energética renovável, pelo protagonismo dos biocombustíveis e pelas particularidades econômicas de nosso público consumidor.
Ao contrário da maioria das economias desenvolvidas, o Brasil já conta com uma matriz elétrica predominantemente limpa e uma frota bastante ancorada em biocombustíveis — especialmente o etanol. Quando analisamos emissões do “poço à roda” (da geração ao uso do combustível), um híbrido flex abastecido com etanol emite cerca de 32 gCO₂e/km, contra mais de 50 gCO₂e/km de um elétrico rodando na Alemanha. Esse dado revela uma vantagem estratégica: podemos promover descarbonização significativa antes mesmo da eletrificação em massa, por meio de tecnologias híbridas adaptadas ao nosso contexto.
O mercado de veículos eletrificados no país já deixou de ser um nicho. Em 2020, representavam apenas 1% das vendas. Hoje, esse número já alcançou 10%, com destaque para os híbridos plug-in e elétricos puros. Segundo projeções da Bright Consulting, até 2030 cerca de 70% das vendas devem ser de veículos eletrificados, sendo que quase 2 em cada 10 modelos vendidos serão plug-in ou puramente elétricos. As tecnologias híbridas leves e híbridas plenas devem liderar esse movimento, respondendo por aproximadamente 50% do mercado, dada sua combinação de eficiência energética, menor custo incremental e maior viabilidade para o consumidor médio brasileiro.
Porém, a infraestrutura ainda representa um entrave importante. O país deve encerrar 2025 com uma frota de 170 mil veículos elétricos puros e cerca de 20 mil carregadores públicos — uma relação de 8 carros por ponto, o que está em linha com benchmarks globais. O problema é a distribuição desigual desses carregadores, altamente concentrados em grandes centros urbanos e corredores logísticos, o que deixa vastas regiões do território nacional descobertas e limita o uso no dia a dia, especialmente para consumidores sem ponto de recarga residencial.
Apesar disso, o Brasil possui capacidade energética suficiente para absorver a expansão da frota elétrica. Estima-se que o impacto sobre o consumo nacional até 2030 será inferior a 2%. O desafio, contudo, está na distribuição e gestão dessa energia. Em cidades como São Paulo, o aumento do consumo elétrico pode chegar a 7,5% em determinadas regiões, exigindo investimentos em redes locais e gestão inteligente da demanda. Além disso, o padrão de recarga residencial, concentrado no período noturno, pode gerar novos picos e sobrecarregar redes pouco preparadas.
No pós-venda, o cenário também é desafiador. A manutenção de veículos elétricos exige mão de obra qualificada e os centros técnicos especializados nesses veículos ainda não estão amplamente disponíveis no país. Isso afeta diretamente o mercado de seminovos, que hoje sofre com baixa liquidez, desvalorização elevada e eventual desconfiança do consumidor quanto à durabilidade das baterias, disponibilidade de peças e assistência técnica fora dos grandes centros.
No cenário internacional, grandes fabricantes vêm reavaliando suas metas de eletrificação total. Pontos como dificuldades de escala, os custos elevados e uma demanda inferior à esperada em alguns mercados têm levado renomadas marcas a adotar uma postura mais cautelosa, reforçando a ideia de que a eletrificação será uma solução viável apenas em determinados contextos e não como bala de prata ao redor do mundo.
Nesse cenário de reavaliação de estratégias e busca por soluções mais apropriadas a cada contexto, os veículos elétricos com extensor de autonomia (REEV – Range Extended Electric Vehicle) surgem como uma alternativa promissora ao país. Essa configuração é uma das soluções mais compatíveis com nossas vantagens estruturais, pois permite que o veículo rode sempre no modo elétrico, sem emissões, enquanto utiliza o etanol como fonte secundaria de energia – alimentando um motor a combustão de alta eficiência. Os REEVs proporcionam uma maior autonomia sem necessidade de uma infraestrutura de recarga extensa. Ao invés de aguardar por um cenário ideal, esta tecnologia proporciona benefícios imediatos em sustentabilidade e praticidade, combinando tecnologia avançada com o realismo operacional para o consumido brasileiro.
Se as fabricantes se atentarem a essa nova possível arquitetura, levando em conta as vantagens ambientais e operacionais que proporciona, o mercado potencial dessa tecnologia no país poderia atingir até 20% das vendas em 2030 – uma área ainda pouco ou nada explorada, porém altamente aderente ao nosso cenário – importante destacar que esses 20% não representariam um crescimento adicional do mercado eletrificado, mas sim uma redistribuição em detrimento dos HEV, PHEV e BEV.
Portanto, no contexto brasileiro, faz mais sentido adotar uma abordagem progressiva, ancorada na valorização dos biocombustíveis e no fortalecimento das soluções híbridas e REEVs. Apostar nessas soluções intermediárias, permite acelerar a descarbonização sem penalizar o consumidor ou forçar adaptações sistêmicas para as quais o país ainda não está totalmente preparado. Cada país precisa encontrar seu próprio caminho. No nosso caso, esse caminho passa por combinar inteligência regulatória, infraestrutura bem planejada, educação técnica e, sobretudo, a valorização das vantagens competitivas que já possuímos. É esse equilíbrio que permitirá ao Brasil liderar uma transição justa, eficiente e verdadeiramente sustentável rumo à mobilidade do futuro.
A Bright Consulting é uma consultoria automotiva especializada com sede em Campinas (SP), criada em 2014, e tem como missão oferecer um portfólio de serviços de inteligência competitiva orientado para minimizar os riscos relacionados ao processo decisório de seus clientes. Conta com especialistas reconhecidos nos mercados nacional e internacional, que avaliam as grandes transformações do mercado e da indústria, os impactos da evolução tecnológica nos veículos e contribuem na elaboração de projeções mais assertivas de sustentação às decisões das empresas.